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animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF

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Uma pessoa estava absolutamente impedida de comer: Ka‟i Mbixi. O motivo é <strong>que</strong><br />

era a primeira vez <strong>que</strong> um quati “caía” em seu monde. Essa interdição não recai sobre<br />

todos os caçadores de forma geral, mas apenas sobre a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> matam uma determinada<br />

espécie pelas primeiras vezes. Não é necessário <strong>que</strong> um homem, seja ele iniciante ou<br />

experiente na construção de armadilhas, mate uma determinada espécie, passe pela<br />

interdição para só então poder consumi-la. Não se trata disso, as pessoas podem comer<br />

carne de caça a qual<strong>que</strong>r momento. O <strong>que</strong> interdita ao caçador um determinado animal são<br />

os primeiros contatos com a espécie em <strong>que</strong>stão, quando capturada em sua armadilha. Por<br />

diversas vezes Mariano havia me dito <strong>que</strong> nunca matara cotia. A carne deste roedor, <strong>que</strong><br />

possui o hábito de rondar as roças de mandioca e batata-doce para se alimentar deste<br />

tubérculo, é <strong>muito</strong> apreciada. Mariano planejava fazer algumas armadilhas no entorno das<br />

roças, mas sempre dizia: “eu sei <strong>que</strong> se eu pegar é para distribuir, pois eu não posso<br />

comer.” Uma pessoa <strong>que</strong> come os primeiros “produtos” de sua armadilha, demonstraria um<br />

comportamento avarento, correndo o risco de não conseguir abater novos <strong>ani<strong>mais</strong></strong>.<br />

Perguntar-se-á a serviço de <strong>que</strong> estaria essa interdição. Quando as pessoas<br />

enunciam esse preceito, o <strong>que</strong> está em jogo é a possibilidade de continuar a “cairem”<br />

<strong>ani<strong>mais</strong></strong> em sua armadilha. Sugiro <strong>que</strong> se coloca aqui o <strong>que</strong> Pierre Clastres ([1966] 2003:<br />

131) observou entre os caçadores Guayaki <strong>que</strong>, sob o risco de se torna pane (azarado na<br />

caça), não comiam de suas próprias presas. Para os Mbya, de uma forma atenuada, “a<br />

conjunção entre o caçador e o animal morto no plano do consumo implicaria a disjunção<br />

entre o caçador e o animal vivo no plano da „produção‟”. Mas parece haver <strong>mais</strong>, vejamos.<br />

Retomo o exemplo de Mariano <strong>que</strong> planejava fazer armadilhas para cotias e então<br />

distribuir a<strong>que</strong>las <strong>que</strong> porventura capturasse. Como disse acima, qual<strong>que</strong>r pessoa pode<br />

comer carne de caça a qual<strong>que</strong>r momento, no entanto sugiro <strong>que</strong> há duas maneiras de fazêlo.<br />

A primeira é enquanto receptor; um homem <strong>que</strong> nunca matou uma espécie come dela<br />

desde <strong>que</strong> provenha da armadilha de outro homem, o <strong>que</strong> equivale a forma feminina de<br />

consumir. As mulheres recebem carne de seus maridos ou de seus pretendentes. A segunda<br />

maneira de comer é enquanto distribuidor e para isso há uma disjunção temporária entre o<br />

caçador e a presa abatida. É preciso <strong>que</strong> capture, distribua; capture e distribua novamente –<br />

não há um número definido de vezes <strong>que</strong> a pessoa deva repetir esse processo – para então<br />

poder comer livremente. A carne agora provém de sua armadilha e ele também consome<br />

como distribuidor; por excelência a maneira masculina de fazê-lo.<br />

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