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animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF

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diferentes situações. Fosse diante da recusa em matar, por<strong>que</strong> não tinha vontade de comer,<br />

como foi o caso de Geferson e também em outra ocasião Miguel Vera Mirim, um jovem<br />

morador de Araponga, aldeia onde a fauna é <strong>mais</strong> abundante, <strong>que</strong> alegou como razão para<br />

não fazer armadilhas o não desejo de comer carne do mato (xo‟o ka‟aguy re). Ou como<br />

aconteceu em outra situação, quando junto com Lourenço e <strong>mais</strong> dois garotos de cerca de<br />

dez anos encontramos um graxaim (aguara’i) em um nhu’ã. Lourenço me chamou,<br />

entregou-me a espingarda e disse: “ejukata!” (mate!). Hesitei; ele repetiu “ejukata!” Atirei.<br />

Até então eu havia ouvido por diversas vezes as pessoas dizerem <strong>que</strong> não comiam<br />

aguara’i. Por <strong>que</strong> então Lourenço mandou <strong>que</strong> eu o matasse? Quando chegamos próximo à<br />

casa de Lourenço uma mulher perguntou <strong>que</strong>m havia matado; Lourenço disse <strong>que</strong> havia<br />

sido eu, e a mulher comentou: “agora sim, você é um homem de verdade!”. Pouco adiante<br />

uma outra mulher fez a mesma pergunta a mim e em seguida perguntou se eu o comeria...<br />

Respondi <strong>que</strong> não sabia, e ela retrucou: “então por <strong>que</strong> matou?”<br />

Uma pergunta como essa contém ao mesmo tempo sua resposta: mate <strong>somente</strong> se<br />

for comer. E é isso <strong>que</strong> recomenda um princípio sobre caça enunciado pelos Mbya:<br />

devemos matar um bicho <strong>somente</strong> quando temos o desejo de comê-lo; no entanto, se cai<br />

em uma armadilha <strong>algo</strong> <strong>que</strong> não será comido pelo caçador, deve-se dar a <strong>que</strong>m o faça, ou,<br />

saiba fazê-lo. Sugiro <strong>que</strong> este saber comer remete ao <strong>que</strong> foi tratado <strong>mais</strong> acima, isto é,<br />

sabe-se comer <strong>algo</strong> quando em algum momento anterior lhe foi ensinado a fazê-lo, quando<br />

uma determinada espécie fez parte da dieta de uma pessoa. É óbvio <strong>que</strong> desde <strong>que</strong> a pessoa<br />

manifeste um desejo, ela poderá aprender a fazê-lo em qual<strong>que</strong>r época de sua vida. Essa é<br />

porém uma experiência <strong>que</strong> se deve saber controlar.<br />

Há pessoas, principalmente jovens, <strong>que</strong> dizem não comer carne de caça,<br />

consumindo apenas frango e carne de gado ou porco. Porém há <strong>algo</strong> <strong>mais</strong> aqui. Após<br />

chegarmos à sua casa, Lourenço tratou de iniciar o corte do animal (“carneamento”). Lenta<br />

e cuidadosamente tirou a pele, sob a qual havia uma espessa camada de gordura. Mandou<br />

<strong>que</strong> um dos garotos chamasse a mulher <strong>que</strong> <strong>que</strong>stionou o meu ato. Essa mulher tivera um<br />

filho havia poucos meses e Lourenço perguntou-lhe se <strong>que</strong>ria ficar com a gordura do<br />

animal. Em seguida explicou-me <strong>que</strong> a gordura do aguara’i é um bom remédio para passar<br />

nas crianças pe<strong>que</strong>nas caso tivessem o sono perturbado durante a noite, não dormissem<br />

bem (ndokei porã). Em seguida, separou as vísceras, as patas, a coluna e o rabo, e colocou<br />

para cozinhar à parte, disse <strong>que</strong> era para os cachorros. As duas laterais do animal seriam<br />

dadas a uma outra mulher, <strong>muito</strong> amiga de Lourenço e a <strong>que</strong>m ele sempre visita.<br />

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