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animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF

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pela ação de “espíritos-dono” ou por feitiçaria. A doença não é <strong>somente</strong> um estado<br />

fisiológico, dizem as pessoas: “nde rere koaxy” (aquilo <strong>que</strong> está te judiando). Neste sentido<br />

ela é capaz de agir motivada pela ação humana ou de algum “espírito”. Seguindo a<br />

hipótese levantada por Pissolato (idem: 339) de <strong>que</strong> a função xamânica é <strong>muito</strong> <strong>mais</strong> <strong>que</strong> o<br />

trabalho do xamã, e <strong>que</strong> o trabalho dos parentes põe no centro o conhecimento xamânico,<br />

pretendo tecer algumas observações sobre esse ponto.<br />

É sabido, desde Nimuendaju, <strong>que</strong> o aprendizado xamânico entre os Guarani se dá<br />

por meio de inspiração revelada em sonho. Não há nenhuma forma de se transmitir de uma<br />

pessoa a outra os conhecimentos necessários para fazer dela um xamã, “as pessoas já<br />

nascem para isso”, dizia-me seu Miguel, “Nhanderu já vai ensinando alguma coisinha<br />

para ele, Nhanderu revela em sonho, faz a gente sonhar alguma coisa <strong>que</strong> vai acontecer, a<br />

gente sonha. Nhanderu mostra pelo sonho, ou seja, pela revelação”. Se não há um<br />

aprendizado, há, contudo, um conjunto de atitudes incentivadas nas pessoas desde cedo<br />

para <strong>que</strong> possam se tornarem pajé, mas nenhuma certeza de <strong>que</strong> isso se efetivará.<br />

“A gente conhece <strong>que</strong>m vai ser pajé ou vai ser kunhã karai, desde pe<strong>que</strong>no a gente<br />

conhece pelo andante dele. Ele não brinca com ninguém, ele é quietinho, ele só olha<br />

assim, não anda brincando, pulando, correndo, ele já vai ser para o pajé, ou seja, se for<br />

mulher kunhã karai.” (Miguel Benites, Parati-Mirim)<br />

O mesmo se passava em Araponga, onde seu Augustinho dizia <strong>que</strong> seu neto<br />

estudava para ser pajé. Maninho, um garoto de dezoito anos, era assíduo na opy’i, onde<br />

tocava o mbaraka e acompanhava seus avós (xamãs) nas atividades de canto-dança-reza;<br />

fazia uso intenso do petÿgua; não fre<strong>que</strong>ntava os bailes de forró na cidade de Parati; não<br />

fazia uso de bebidas alcoólicas e ajudava constantemente seu Augustinho na roça. Tais<br />

atitudes faziam com <strong>que</strong> seu avô sempre destacasse as virtudes do neto, dizendo: “esse está<br />

estudando para pajé!” O estudo consistia nisso, saber manter uma relação distanciada com<br />

certos aspectos do mundo dos brancos, evitando aquilo <strong>que</strong> dizem ser um comportamento<br />

feio (ivaikue) e dedicar-se às atividades na opy’i. Com o tempo, Nhanderu lhe revelaria os<br />

de<strong>mais</strong> conhecimentos necessários para <strong>que</strong> pudesse desempenhar outras atividades<br />

relacionadas ao xamanismo, tais como a cura e a nominação de pessoas.<br />

Não é preciso necessariamente ser um xamã para saber curar, mas é preciso sê-lo<br />

para nominar, <strong>somente</strong> os xamãs conseguem descobrir a origem das almas (nhe’ë) <strong>que</strong> são<br />

enviadas a essa terra, e por conseguinte seu nome. Pretendo contudo retornar à cura.<br />

A competência nesse assunto é <strong>mais</strong> ampla e inúmeras pessoas são<br />

reconhecidamente detentoras de algum grau de saber. Esses saberes são de natureza<br />

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