animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF
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Não convém, durante os primeiros trinta dias após o nascimento de uma criança <strong>que</strong><br />
os pais mantenham relações sexuais, embora ao <strong>que</strong> parece essa interdição pese <strong>mais</strong> sobre<br />
a mulher; o seu estado a torna perigosa principalmente para a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> com ela venham a<br />
se envolver. O perigo está no sangramento decorrente do parto: qual<strong>que</strong>r contato com<br />
sangue deve sempre ser evitado. Quanto a isso Pissolato afirma: “o perigo de adquirir<br />
doenças decorrentes do contágio direto ou indireto com o sangue da mulher, tema clássico<br />
da conjunção animal e perda da condição humana entre os grupos amazônicos, no contexto<br />
mbya aparece ligado ao consumo de carne, à cozinha e ao sexo.” (idem: 286)<br />
Daí o imperativo de uma mulher menstruada ou <strong>que</strong> tenha dado à luz recentemente<br />
afastar-se também da cozinha. Tudo se passa como se na teoria mbya o <strong>que</strong> uma pessoa faz<br />
adquiresse um pouco de sua substância, de seu ser, <strong>que</strong>, ao ser passado a outrem,<br />
principalmente pela via alimentar, passa também a fazer parte deste outro; no caso da<br />
comida e do sexo esse compartilhamento de substâncias é prejudicial, principalmente<br />
à<strong>que</strong>le <strong>que</strong> recebe.<br />
No <strong>que</strong> se refere à dieta alimentar, tanto o pai quanto à mãe devem observar as<br />
mesmas interdições: estão suspensas carnes de caça, de gado, de porco e de peixe. Apenas<br />
a carne de frango é recomendada. Feijão e amendoim também não são indicados, pois<br />
ambos não deixariam <strong>que</strong> o umbigo da criança cicatrizasse, além de fazer com <strong>que</strong><br />
produzisse bastante pus.<br />
A cozinha e o sexo são duas atividades suspensas, principalmente às mulheres<br />
durante esse período. O perigo <strong>que</strong> assombra as pessoas no <strong>que</strong> se refere ao contato com<br />
sangue é a sua ingestão e o desencadeamento de transformações em <strong>ani<strong>mais</strong></strong>. Ingerir<br />
comida preparada por mulher menstruada equivale a ingerir sangue; a pessoa <strong>que</strong> o faz<br />
assemelha-se ao jaguar, por excelência um comedor de cru. No <strong>que</strong> se refere ao contato<br />
com sangue exógeno Vilaça (1992: 85-6) destaca <strong>que</strong> o caçador Wari‟, a mulher <strong>que</strong><br />
retorna da pesca, a criança por causa do sangue derramado no parto, ou a<strong>que</strong>le <strong>que</strong><br />
houvesse cortado e assado um cadáver Wari‟, deveriam untar ou ser untados com urucu<br />
para neutralizar o risco de um contato acidental deste sangue com a boca e a pessoa<br />
exposta a isso se transformasse em jaguar, comedor de cru.<br />
Veículos de perigo, o sangue e a comida conjugam o limiar da existência na<br />
humanidade ou na animalidade. Contudo, há outras agências <strong>que</strong> põem em risco a<br />
existência humana, vejamos quais são e como operam.<br />
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