Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Às quatro horas da madrugada, quando Teobaldo chegou do baile, ele ainda<br />
estava de pé e a enferma parecia ter afinal sossegado e adormecido.<br />
— Que! Exclamou aquele. Pois ainda trabalhas<br />
— Schit! Qual trabalho... Respondeu <strong>Coruja</strong>, pedindo silêncio com um gesto.<br />
Passei a noite às voltas com a Ernestina... Ah! Não imaginas... Ataques sobre<br />
ataques!... Pobre rapariga! Não faças bulha... Creio que ela agora está dormindo...<br />
— Impressionou-se naturalmente com o que eu lhe disse à tarde... Ora! Não<br />
fosse importuna!<br />
— Coitada!<br />
— Bem, disse Teobaldo, mas recolhe-te ao quarto e trata de descansar; eu<br />
fico aqui. Vai.<br />
— Mas não te deitas<br />
— Tenho ali aquele sofá; não te incomodes comigo. Vai para a cama, que<br />
deves estar caindo de cansaço. Adeus.<br />
O <strong>Coruja</strong> notou que o amigo trazia qualquer preocupação.<br />
— Sentes alguma coisa perguntou-lhe.<br />
— Ao contrário: há muito tempo não me acho tão bem disposto.<br />
— Então boa noite.<br />
— Até amanhã.<br />
<strong>Coruja</strong> recolheu-se ao quarto e o outro pôs-se a passear na sala, enquanto<br />
se despia; depois chegou à porta da alcova, encarou com um gesto de tédio o to<br />
prostrado de Ernestina e voltou logo o rosto, como se tivesse medo de acordá-la<br />
com o seu olhar.<br />
Todo ele era só uma idéia: — A filha do comendador. Branca não lhe saía da<br />
imaginação; tinha ainda defronte dos olhos aquele sorriso que ela lhe deu à janela;<br />
sentia ainda entre as suas a sua tremula mãozinha e nos ouvidos a música das<br />
últimas palavras que lhe ouviu.<br />
— Adorável! Adorável! Repetia ele.<br />
E foi para a mesa em mangas de camisa e começou a escrever versos<br />
sentimentais.<br />
Ouviam-se, no silêncio fresco da madrugada, o bater inalterável do relógio e<br />
os bufidos suspirados de Ernestina, que parecia dormir um sono de ébrio.<br />
— Que mulher impertinente!... Considerou ele, atirando com a pena e<br />
deixando pender para trás a cabeça a fitar o teto.<br />
E pensou:<br />
— Quando eu me lembro que a esta criatura nada falta — Casa,<br />
rendimentos, criados, e que ela se vem meter aqui, possuída de esperanças<br />
injustificáveis... Nem sei que juízo forme a seu respeito!... Será isto o verdadeiro<br />
amor... Talvez, mas, se assim é, arrenego dele, porque não conheço coisa mais<br />
insuportável!... Ainda se ela não fosse tão desengraçada!... Tão tola!... Mas, valhame<br />
Deus! Nunca vi mulher mais ridícula quando tem ciúmes; ainda não vi ninguém<br />
127