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O Coruja - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Coitado! Que estranhas sensações não lhe produziu aquele beijo, ainda<br />

quente da ternura com que foram dados os outros no verdadeiro filho! Há quanto<br />

tempo não aspirava o pobre órfão essa flor ideal do amor, essa flor sonora — o beijo!<br />

Depois de sua mãe ninguém mais o beijara. E Santa, sem saber, acabava<br />

de abrir o coração do desgraçado um sulco luminoso, que penetrava até às suas<br />

mais fundas reminiscências da infância.<br />

— Este menino está chorando! Considerou D. Geminiana, que até aí<br />

observara o <strong>Coruja</strong> como quem contempla um bicho raro.<br />

— Que tens tu Perguntou Teobaldo ao amigo.<br />

— Nada, respondeu este, limpando as lágrimas na manga da jaqueta.<br />

E o seu gesto era tão desgracioso, coitadinho, que todos, à exceção de<br />

Santa, puseram-se a rir.<br />

— Não é nada, com efeito! A comoção talvez!... Exclamou Emílio, batendo<br />

levemente nas costas de André. — Há muito tempo que não se vê entre família!<br />

Daqui a pouco nem se lembrará que chorou,... Não é verdade, amiguinho<br />

O <strong>Coruja</strong> disse que sim, enterrando a cabeça nos ombros.<br />

— Mas, vamos para cima, que eu estou morrendo por comer! Protestou<br />

Teobaldo, passando os braços em volta da cinta das duas senhoras e obrigando-as<br />

a acompanhá-lo.<br />

Assim subiram a pequena alameda de mangueiras que conduzia à casa e,<br />

dentro em pouco, penetravam todos na sala de jantar.<br />

A despeito de se achar naquelas alturas, Emílio cercava-se de todas as<br />

comodidades que lhe permitia a época. O seu primeiro casamento abrira- l he o gosto<br />

pelos objetos do luxo asiático e trouxera-lhe uma riquíssima coleção de louças, de<br />

sedas e cachemiras, charões, marfins, pinturas, objetos de goma-laca, tetéias de<br />

sândalo e tartaruga, e tudo mais que era de costume nesse tempo introduzirem no<br />

Brasil os portugueses vezeiros no comércio das Índias.<br />

Viam-se ai também, pelas paredes, quadros antigos, de santos, alguns dos<br />

quais haviam pertencido a D. João VI, e das mãos deste passado às do avô de<br />

Teobaldo. Viam-se igualmente estalados retratos de damas e cavalheiros da corte de<br />

D. José e D. Maria I, detestavelmente pintados, nas suas pitorescas vestimentas do<br />

século XVIII e defronte de cujas telas inutilizadas e ressequidas pelo antiaristocrático<br />

sol brasileiro, habituara-se o velho Caetano a possuir-se de todo o respeito, porque<br />

lhe contava que entre aqueles figurões havia parentes do seu rico amo.<br />

E, ao lado da mobília, relativamente nova, descobriam-se clássicas peças de<br />

madeira preta, que juntavam ao aspecto daquelas salas uma nota religiosa e grave.<br />

Na biblioteca, aliás bem guarnecida, destacavam--se, por entre as estantes,<br />

antigas armas portuguesas, dispostas em simetria e caprichosamente entrelaçadas<br />

por arcos e flechas do Brasil. Na sala de jantar, dominando a larga e longa mesa da<br />

comida, havia um grande retrato de Cromwell, representado na ocasião em que ele<br />

invadiu o parlamento inglês de chicote em punho.<br />

O <strong>Coruja</strong> passou por tudo isso, às cegas, sem ânimo de olhar para coisa<br />

alguma. O desgraçado sentia perfeitamente que agora, à luz das velas, a sua<br />

antipática figura havia de produzir sobre todos uma impressão ainda muito mais<br />

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