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O Coruja - Unama

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www.nead.unama.br<br />

E, abaixando a voz e chegando-se mais para o moço, disse, com o mistério de quem<br />

faz uma revelação terrível: — E, principalmente, meu amigo, não se meta a<br />

escrevinhador.<br />

Teobaldo ergueu a cabeça, surpreso:<br />

— Como<br />

— Sim, confirmou o outro. — Não se meta a escrevinhador, que isso tem<br />

posto muita gente a perder! Poderia citar-lhe mais de cem nomes de estudantes, de<br />

quem fui correspondente, que perderam anos, que cortaram a carreira por causa da<br />

maldita patifaria das letras! Eu os vi, a todos, por aí, enchendo as ruas de pernas,<br />

mal alimentados, e mal vestidos, com a mesada suspensa pela família, a fazerem<br />

garbo das suas necessidades e às vezes até das suas bebedeiras!<br />

Teobaldo ouvia agora o negociante com singular atenção.<br />

— Fuja! Continuava aquele: fuja de semelhante porcaria! Se não quiser ver o<br />

seu nome todos os dias na boca do mundo!<br />

— O nome<br />

— Sim, sim, o nome, que seu pai lhe pôs à pia do batismo! Se não quiser vêlo<br />

de boca em boca não se meta a escrevinhador! E ainda se fosse apenas isso...<br />

Vá! É feio, mas enfim, sempre há homens sérios, cujo nome o público não ignora; o<br />

pior é que às vezes rebenta por aí cada descompostura, que é mesmo uma<br />

vergonha! Quem se deixa cair em tal desgraça não está livre das chufas da<br />

imprensa e dos comentários do mundo inteiro!<br />

E o Sampaio, para melhor firmar os seus argumentos, principiou a citar<br />

nomes.<br />

— Mas esses nomes — Acudiu Teobaldo recorrendo às leituras que fizera<br />

na província — Esses nomes são todos muito distintos. O senhor está citando os<br />

nossos poetas mais conhecidos!<br />

— Ah! Ninguém nega que não sejam conhecidos, nem que não sejam<br />

poetas, mas posso afiançar-lhe que não são homens sérios.<br />

— Homens sérios... Que diabo entende o senhor por homem sério<br />

— Ora essa! Que entendo por homem sério — É boa! Por homem sério<br />

entendo todo aquele que não dá escândalos, que não é tratante e que se ocupa em<br />

alguma coisa séria! Enfim, todo aquele que trabalha! — Então quem escreve não<br />

trabalha<br />

— Não digo isso, mas...<br />

— Acabe.<br />

— Mas não é um trabalho sério!<br />

Teobaldo, em vez de prosseguir no diálogo, olhou para o Sampaio com um<br />

gesto que tanto podia ser de lástima como de repugnância, e, deixando escapar o<br />

seu predileto sorriso de ironia, ergueu-se, bateu-lhe levemente no ombro e disse:<br />

— O senhor é um grande homem!... Mas eu preciso descansar. Boa noite!<br />

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