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O Coruja - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Causava estranha e viva impressão aquela figura tétrica e sofredora, que<br />

parecia agora mergulhada nesse estado comatoso que às vezes acomete os loucos.<br />

Embalde tentou o outro puxar por ele e, vendo o egoísta que, em vez de<br />

consolações, encontrara ali ainda maior desânimo que o seu, despediu-se e saiu<br />

arrastando até à casa a negra túnica das suas aflições.<br />

— Até este! Pensava ele já na rua, até o <strong>Coruja</strong> me vira as costas! Só o<br />

público, essa besta insuportável e estúpida, só o público me abre os braços! E do<br />

que me serve o público, se não tenho a quem amar Do que me serve o público, se<br />

vivo neste isolamento pior que tudo Do que me servem admiradores, se não tenho<br />

amigos<br />

Durante o caminho, Teobaldo, justamente ao contrário do que sucedia com<br />

André, encontrou mil pessoas que corriam a saudá-lo, apertar-lhe a mão, que o<br />

abraçavam, que o felicitavam "mais uma vez" por tais e tais gloriosos feitos.<br />

Mas em todas essas fisionomias só viu e percebeu: — em umas, a<br />

adulação; em outras o fingimento; em outras a má vontade invejosa e sem ânimo<br />

para se patentear; e em nenhuma encontrou o que ele procurava com tamanho<br />

empenho, aquilo que ele dantes descobria em quantos o amavam e a quem afastou<br />

de si, para sempre; isto é, a dedicação, o desinteresse, a verdadeira amizade.<br />

— Ah! Não valia a pena sacrificar àquela besta esse inestimável tesouro,<br />

que agora lhe fazia tanta falta!<br />

E era tarde! O egoísta já não podia encontrar em torno de si senão a sombra<br />

de si mesmo. E todos que o idolatravam com tanto desinteresse e aos quais ele só<br />

respondeu com a ingratidão, perpassavam agora em torno de seu espírito como<br />

espetros de remorso que se erguiam para o fazer mais infeliz, mais inconsolável e<br />

mais revoltado contra o seu isolamento.<br />

Ainda como o <strong>Coruja</strong>, ele desejava fugir do público e ao mesmo tempo<br />

sentia medo de meter-se em casa. A rua e o lar eram para ambos um tormento de<br />

gênero diverso, mas de iguais efeitos.<br />

Foi, pois, completamente aniquilado, que ele chegou ao portão da sua<br />

chácara.<br />

Um criado veio dizer-lhe logo, que o velho Caetano estava agonizante.<br />

Teobaldo apressou-se a ir ter com ele, apesar da prostração, em que se<br />

achava.<br />

O quarto do moribundo parecia agora ainda mais sombrio do que à noite.<br />

Um quarto estreito, enterrado no porão da casa, mas dignamente arranjado<br />

e limpo.<br />

Era tudo de uma simplicidade austera e pobre. Na parede via-se um retrato<br />

do Barão do Palmar, sobre o qual dependurava-se uma grinalda de rosas murchas,<br />

contrastando com uma espada enferrujada e um jogo de pistolas antigas, que<br />

guarneciam a parte inferior do quadro; por cima deste, em um intervalo talvez de<br />

dois palmos, havia ainda um pequeno crucifixo de metal branco.<br />

Dir-se-ia que aquilo era a célula de algum fidalgo vitimado pela revolução.<br />

Ao fundo do quarto, sobre uma cama estreita e sem cortinas, destacava-se a<br />

longa figura de Caetano.<br />

Parecia agora muito mais comprido e mais magro; sentiam-se-lhe os<br />

ângulos do corpo por detrás do lençol.<br />

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