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O Coruja - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Não procuravam as suas relações, nem ele as de ninguém, e, apesar das<br />

vaias e das repetidas pilhérias dos colegas, teria passado tranqüilamente os primeiros<br />

dias da sua nova existência, se um incidente desagradável não o viesse perturbar.<br />

Havia no colégio um rapaz, que exercia sobre outros certa superioridade,<br />

nem só porque era dos mais velhos, como pelo seu gênio brigador e arrogante.<br />

Chamava-se Fonseca e os companheiros o temiam a ponto de nem se animarem a<br />

fazer contra ele qualquer queixa ao diretor.<br />

André atravessava numa ocasião o pátio do recreio, quando ouviu gritar<br />

atrás de si Ó <strong>Coruja</strong>!<br />

Não fez caso. Estava já habituado a ser escarnecido, e tinha por costume<br />

deixar que a zombaria o perseguisse à vontade, até que ela cansasse e por si<br />

mesma se retraísse.<br />

Mas o Fonseca, vendo que não conseguira nada com a palavra, correu na<br />

pista de André e ferrou-lhe um pontapé por detrás.<br />

O pequeno voltou-se e arremeteu com tal fúria contra o agressor, que o<br />

lançou por terra. O Fonseca pretendeu reagir, mas o outro o segurou entre as<br />

pernas e os braços, tirando-lhe toda a ação do corpo.<br />

Veio logo o inspetor, separou-os e, tendo ouvido as razões do Fonseca e<br />

dos outros meninos que presenciaram o fato, conduziu André para um quarto<br />

escuro, no qual teve o pequeno esse dia de passar todos os intervalos das aulas.<br />

Sofreu a castigo e as acusações dos companheiros, sem o menor protesto<br />

e, quando se viu em liberdade, não mostrou por pessoa alguma o mais ligeiro<br />

ressentimento.<br />

Depois deste fato, os colegas deram todavia em olhá-lo com certo respeito,<br />

e só pelas costas o ridicularizavam. Às vezes, do fundo de um corredor ou do meio<br />

de grupo, ouvia gritar em voz disfarçada:<br />

— Olha o filhote do padre Olha o <strong>Coruja</strong>!<br />

Ele, porém, fingia não dar por isso e afastava-se em silêncio.<br />

Quanto ao mais, raramente comparecia ao recreio e apresentava-se nas<br />

aulas sempre com a lição na ponta da língua.<br />

No fim de pouco tempo, os próprios mestres participavam do vago respeito<br />

que ele impunha a todos; posto que estivessem bem longe de simpatizar com<br />

desgracioso pequeno, apreciavam-lhe a precoce austeridade de costumes e o seu<br />

admirável esforço pelo trabalho. Uma das particularidades de sua conduta, que mais<br />

impressionava aos professores, era a de que, apesar constante mal que lhe<br />

desejavam fazer os colegas, jamais se queixava de nenhum, e tratava-os a todos<br />

mesma forma que tratava ao diretor e aos lentes isto com a mesma sobriedade de<br />

palavras e a mesma frieza de gestos.<br />

Em geral, era por ocasião da mesa que as indiretas dos seus condiscípulos<br />

mais se assanhavam contra O <strong>Coruja</strong>, como já todos lhe chamavam, não tinha graça<br />

nem distinção no comer; comia muito e sofregamente com o rosto tão chegado ao<br />

prato que parecia que apanhar os bocados com os dentes.<br />

Coitado! Além do rico apetite de que dispunha, não recebia, à semelhança<br />

dos outros meninos, presentes de doce, requeijão e frutas que lhes mandavam<br />

competentes famílias; não andava a paparicar durante dia como os outros; de sorte<br />

que, à hora oficial da comida, devorava tudo que lhe punham no prato, sem torcer o<br />

nariz a coisa alguma.<br />

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