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Não procuravam as suas relações, nem ele as de ninguém, e, apesar das<br />
vaias e das repetidas pilhérias dos colegas, teria passado tranqüilamente os primeiros<br />
dias da sua nova existência, se um incidente desagradável não o viesse perturbar.<br />
Havia no colégio um rapaz, que exercia sobre outros certa superioridade,<br />
nem só porque era dos mais velhos, como pelo seu gênio brigador e arrogante.<br />
Chamava-se Fonseca e os companheiros o temiam a ponto de nem se animarem a<br />
fazer contra ele qualquer queixa ao diretor.<br />
André atravessava numa ocasião o pátio do recreio, quando ouviu gritar<br />
atrás de si Ó <strong>Coruja</strong>!<br />
Não fez caso. Estava já habituado a ser escarnecido, e tinha por costume<br />
deixar que a zombaria o perseguisse à vontade, até que ela cansasse e por si<br />
mesma se retraísse.<br />
Mas o Fonseca, vendo que não conseguira nada com a palavra, correu na<br />
pista de André e ferrou-lhe um pontapé por detrás.<br />
O pequeno voltou-se e arremeteu com tal fúria contra o agressor, que o<br />
lançou por terra. O Fonseca pretendeu reagir, mas o outro o segurou entre as<br />
pernas e os braços, tirando-lhe toda a ação do corpo.<br />
Veio logo o inspetor, separou-os e, tendo ouvido as razões do Fonseca e<br />
dos outros meninos que presenciaram o fato, conduziu André para um quarto<br />
escuro, no qual teve o pequeno esse dia de passar todos os intervalos das aulas.<br />
Sofreu a castigo e as acusações dos companheiros, sem o menor protesto<br />
e, quando se viu em liberdade, não mostrou por pessoa alguma o mais ligeiro<br />
ressentimento.<br />
Depois deste fato, os colegas deram todavia em olhá-lo com certo respeito,<br />
e só pelas costas o ridicularizavam. Às vezes, do fundo de um corredor ou do meio<br />
de grupo, ouvia gritar em voz disfarçada:<br />
— Olha o filhote do padre Olha o <strong>Coruja</strong>!<br />
Ele, porém, fingia não dar por isso e afastava-se em silêncio.<br />
Quanto ao mais, raramente comparecia ao recreio e apresentava-se nas<br />
aulas sempre com a lição na ponta da língua.<br />
No fim de pouco tempo, os próprios mestres participavam do vago respeito<br />
que ele impunha a todos; posto que estivessem bem longe de simpatizar com<br />
desgracioso pequeno, apreciavam-lhe a precoce austeridade de costumes e o seu<br />
admirável esforço pelo trabalho. Uma das particularidades de sua conduta, que mais<br />
impressionava aos professores, era a de que, apesar constante mal que lhe<br />
desejavam fazer os colegas, jamais se queixava de nenhum, e tratava-os a todos<br />
mesma forma que tratava ao diretor e aos lentes isto com a mesma sobriedade de<br />
palavras e a mesma frieza de gestos.<br />
Em geral, era por ocasião da mesa que as indiretas dos seus condiscípulos<br />
mais se assanhavam contra O <strong>Coruja</strong>, como já todos lhe chamavam, não tinha graça<br />
nem distinção no comer; comia muito e sofregamente com o rosto tão chegado ao<br />
prato que parecia que apanhar os bocados com os dentes.<br />
Coitado! Além do rico apetite de que dispunha, não recebia, à semelhança<br />
dos outros meninos, presentes de doce, requeijão e frutas que lhes mandavam<br />
competentes famílias; não andava a paparicar durante dia como os outros; de sorte<br />
que, à hora oficial da comida, devorava tudo que lhe punham no prato, sem torcer o<br />
nariz a coisa alguma.<br />
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