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O Coruja - Unama

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www.nead.unama.br<br />

isso e outrossim não lhe notavam os estragos do tempo e os sulcos da velhice,<br />

porque a vista lhes fora faltando a eles à proporção que a ela fora faltando a beleza.<br />

Mas, ah! Justamente quando esta vai fugindo, é que a mulher mais a exige<br />

nos seus amantes; à moça, bonita e cheia de vida, pouco importa que o homem a<br />

quem se dá seja tão novo e tão lindo como ela; para o seu completo deleite chegamlhe<br />

os próprios encantos e, vaidosa, contenta-se com ser admirada e não precisa<br />

admirar ninguém. Só às feias ou às que já perderam as frescuras da mocidade<br />

interessam os encantos do homem a quem se dão; querem que ele tenha aquilo que<br />

já lhes falta a ela. Chegada certa idade, trocam-se os papéis, por isso que os velhos<br />

morrem de amor pelas mocinhas e as matronas tanto apetecem aos magros<br />

estudantes de preparatório.<br />

À Leonília, por conseguinte, já não bastava o séquito de seus amantes mais<br />

velhos do que ela, e era, pois, com profundo desgosto que acompanhava os passos<br />

de Teobaldo, vendo-o luzir por toda a parte, belo, sempre desejado, resplandecendo<br />

em meio de dois oceanos, um de inveja e outro de amor. A desgraçada não podia<br />

habituar-se à idéia de que aquele ingrato, pouco mais moço do que ela, estadeasse<br />

agora no apogeu da força e da fortuna, sem se lembrar ao menos da existência de<br />

uma pobre mulher, que o amara tão apaixonadamente.<br />

E por isso tratou de remeter-lhe uma nova carta anônima, e logo depois<br />

outra e mais outra; certa de que com elas havia de lhe amargurar a existência.<br />

Com efeito, aquelas cartas anônimas, lançadas da sombra, traziam<br />

Teobaldo ultimamente bastante apoquentado e aborrecido, tanto mais que ele não<br />

podia fixar a sua desconfiança contra nenhum dos seus dois amigos. Ora sondava a<br />

mulher, ora sondava o Aguiar, ora o <strong>Coruja</strong>; e o resultado de suas observações<br />

eram sempre as mesmas sombras e as mesmas incertezas.<br />

André, todavia, estava bem longe de desconfiar que era alvo de tais<br />

suspeitas; a sua existência agora, agora mais que nunca trabalhosa e cheia de<br />

responsabilidades, gastava-se em esforços de todo gênero. Oito meses haviam<br />

decorrido depois do seu compromisso com o Banco e, segundo os seus planos, a<br />

primeira entrada de dinheiro seria feita no dia convencionado.<br />

Não perdera um instante e não distraíra um vintém das suas economias;<br />

todas as aspirações necessárias para chegar aos seus fins, ele as afrontara<br />

heroicamente; e D. Margarida e mais a filha, aguardando em sôfrego silêncio o<br />

termo dessa campanha, contavam as horas e os segundos, apenas reanimadas, de<br />

quando em quando, pelas palavras do professor, que parecia cada vez mais seguro<br />

do cumprimento da sua promessa.<br />

Agora um novo tipo freqüentava a casa de D. Margarida. Era o Costa, um<br />

alferes de polícia, conhecido pela alcunha de Picuinha.<br />

Homenzito esperto, despejado de maneiras e muito metido a taralhão com<br />

todo o mundo. Tinha o nariz comprido, luminoso e de papagaio, os olhos fundos, o<br />

queixo muito metido para dentro, com uma boquinha de coelho. Quando soltava<br />

uma das suas escandalosas gargalhadas, viam-se-lhe as presas, solitárias como as<br />

presas de um cão, porque ele já não possuía os dentes da frente. Era imberbe e<br />

macilento, o pescoço fino, as mãos nodosas e feias; todo ele raquítico e pobre de<br />

sangue, a jogar com o corpo da direita pata a esquerda, principalmente quando<br />

aparecia depois do jantar, com a farda desabotoada sobre o estômago, o boné à<br />

nuca, uma ponta de cigarro presa ao canto dos lábios e uma chibata na mão, a<br />

fustigar com ela de vez em quando o brim engomado das suas calças brancas.<br />

D. Margarida o suportava por simples conveniência: o alferes era seu<br />

freguês de roupa e gostava de aparecer-lhe à tarde, para cavaquear à janela; um<br />

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