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A história desses artigos é a seguinte: <strong>Coruja</strong>, havia muito, entregara-se por<br />
gosto e por necessidade de sua índole ao estudo sério e acurado de umas tantas<br />
matérias a que em geral chamam áridas, e com as quais Teobaldo não seria capaz<br />
de entestar.<br />
Sem imaginação, nem talento inventivo e nem arte, André só assim<br />
encontrou meio de usar da sua grande atividade intelectual e foi aos poucos se<br />
familiarizando com os estudos econômicos e sociológicos.<br />
Pode ser que esse apetite fosse ainda uma conseqüência da sua idéia fixa e<br />
dominante — a história do Brasil, obra esta a que ele se escravizara desde os seus<br />
vinte anos e da qual nunca se distraíra investigando sempre, inalteravelmente, com<br />
a calma e a paciência de um sábio velho que se dedica ao trabalho só pelo prazer<br />
de trabalhar, sem a menor preocupação de elogio ou glória. Essa obra ainda estava<br />
longe de seu termo, mas representava já uma soma enorme de serviço: compilações<br />
de todo o gênero e apontamentos de toda a espécie.<br />
— Se eu não conseguir levá-la ao cabo, dizia ele. aí fica bom material para<br />
quem o souber aproveitar, dando-lhe a forma literária, que é só o que lhe falta.<br />
E isto que ele dizia a respeito da carcassa da sua obra capital, verificou-se<br />
logo com os seus apontamentos sobre questões sociais: um dia Teobaldo fez-lhe<br />
algumas perguntas a respeito de elemento servil, locação de serviços e colonização.<br />
<strong>Coruja</strong> satisfez as perguntas do amigo e declarou que tinha consigo algumas notas<br />
tomadas nesse sentido.<br />
Os dois subiram ao cubículo de André, e este sacou de uma gaveta de sua<br />
velha secretária um grosso pacote, composto de pequenos maços de tiras escritas,<br />
sobre cada uma das quais via-se metodicamente lançado um título diverso.<br />
Teobaldo começou a manusear os maços.<br />
Leu o primeiro: "Indústrias", no segundo: "Manufaturas", leu em outro:<br />
"Escravidão" e em outro: "Instrução pública".<br />
E continuando a percorre-los, foi encontrando:<br />
"Pequena lavoura — Nacionalização do comércio a retalho — Nunes<br />
Machado e seu tempo — Economia rural, decadência do açúcar, nota sobre o<br />
inquérito do governo — Exploração do gado lanígero — Administração dos correios<br />
— Legislação territorial — Cultura do bicho-da-seda — Plantação da vinha —<br />
Colonização, reflexões sobre as cartas do marquês de Abrantes — Discursos sobre<br />
o elemento servil por Bernardo de Vasconcelos, Eusébio de Queiroz e João Maurício<br />
Vanderley — Guerra do Rosas."<br />
E assim por diante.<br />
— Que diabo tencionas tu fazer disto perguntou Teobaldo.<br />
— Nada, respondeu André, são notas de considerações, que às vezes<br />
acodem e que a gente vai colecionando, para, se algum dia precisar...<br />
— Mas é um tesouro isto que aqui tens!... Deves publicar estas notas!<br />
— Qual! Não despertariam interesse em ninguém; falta-lhes forma literária,<br />
não passam de apontamentos; datas, nomes, citações, discursos políticos e nada<br />
mais.<br />
— Ora! A forma literária é o menos. Isso arranja-se brincando.<br />
— Pois se quiseres arranjá-la...<br />
— Homem! Está dito! Publicam-se com um pseudônimo. Vais ver o barulhão<br />
que isto faz aí!<br />
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