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CAPÍTULO VI<br />
Com efeito, Teobaldo, daí a dias mudava-se para o Hotel de França,<br />
abandonando a Ernestina todos os trastes que ele possuía no segundo andar...<br />
Foi então que lhe chegou às mãos uma carta do pai, a primeira que tratava<br />
de questões pecuniárias. O barão, a pesar seu, tinha de entrar nesse assunto e<br />
pedia ao filho que apertasse um pouco os cordéis da bolsa.<br />
Não estamos no caso de fazer muitas larguezas, meu querido filho, dizia ele<br />
depois de confessar que sua vida achava-se um tanto complicada; ultimamente<br />
persegue-me um azar terrível: em nada do que empreendo me saio bem, e a<br />
continuarem as coisas deste modo teremos fatalmente a ruína pela proa! É preciso<br />
que desde já restrinjas as tuas despesas. No primeiro ano de Rio de Janeiro<br />
gastaste um conto de réis, no segundo quase três e ainda não findou o terceiro e já<br />
tens despendido neste muito mais do que nos outros dois reunidos. Acredita que<br />
não te falaria nisto se a tal não me obrigassem as circunstâncias. Acabo de ajustar<br />
contas com o meu correspondente, não lhe fiz recomendação nenhuma a teu<br />
respeito, porque entendo melhor fazê-la a ti próprio; tens bastante critério para<br />
avaliar o que aqui vai dito e tomares sérias medidas a respeito de tua vida!<br />
Nada de envolver estranhos neste negócio; mais vale arruinado em segredo<br />
do que às claras, porque tudo perdoam à gente, menos a pobreza.<br />
Tua mãe continua cada vez mais incomodada; principio a ter sérios receios;<br />
os seus padecimentos agravam-se de um modo bem desconsolador. Vê se te<br />
aprontas o mais depressa possível e dá um pulo até cá: temos ansiedade de teus<br />
abraços.<br />
Esta carta foi um choque terrível para Teobaldo; estava bem longe de contar<br />
com ela e, pela primeira vez, refletiu na possibilidade de ficar pobre de um momento<br />
para outro; e pensou também no muito que esbanjara desde que residia na corte e<br />
no muito que se descuidara dos seus estudos.<br />
Não podia ser por menos com a vida que ele levava ultimamente: os seus<br />
dias eram em geral consumidos do seguinte modo: acordava às onze horas da<br />
manhã, descia ao tanque, onde durante meia hora se deliciava dentro de um banho<br />
perfumado; depois deixava-se enxugar pele Sabino, vestia-se com o auxílio deste e<br />
subia ao quarto , onde já o esperava o cabeleireiro com a sua navalha e os seus<br />
pentes. Acabada a toilette, passava ao salão do hotel e almoçava. Às vezes fazia<br />
duas horas de trote pela praia de Botafogo ou pela rua de Mata-cavalos; jantava à<br />
noite; ia quase sempre ao teatro ou à casa de alguma família conhecida ou então, o<br />
que era mais freqüente, entretinha-se a beber e a conversar com amigos em casa<br />
de mulheres do gênero de Leonília.<br />
A respeito de escola — nada.<br />
Quando se recolhia antes da meia-noite, ainda se entregava a qualquer<br />
leitura, literária ou científica, conforme o apetite do momento; outras vezes recorria<br />
ao piano e passava duas ou três horas a recordar o clássico repertório que aprendeu<br />
em casa da família.<br />
É de notar que Teobaldo, no meio da sua espécie de boêmia aristocrática,<br />
não perdera o sentimento do belo, o amor às letras, o entusiasmo pelas coisas<br />
heróicas e o respeito às mulheres honestas; tão poderosos e salutares foram para<br />
ele os singelos conselhos de sua mãe,<br />
Apesar da egoística filosofia do Barão do Palmar, Teobaldo conservava<br />
ainda para com o <strong>Coruja</strong> a mesma sagrada amizade e a mesma dedicação da<br />
infância. Era tal o apreço em que tinha o amigo, que chegava a sentir remorsos de<br />
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