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O Coruja - Unama

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www.nead.unama.br<br />

E, com efeito, mal chegava a hora do recreio, enterrava-se André no quarto<br />

de estudo e, imitando a letra do amigo, aprontava as cópias; feliz com aquele<br />

trabalho, como se o descanso do outro fosse o seu melhor prazer.<br />

Muita vez perdeu com isso grande parte da noite, e no dia seguinte ainda<br />

encontrava tempo para tirar os significados da lição do amigo, para resolver-lhe os<br />

problemas de álgebra e fazer-lhe os temas de latim.<br />

Uma vez, em que o <strong>Coruja</strong> se apresentou nas aulas sem haver preparado as<br />

próprias lições, o professor exclamou com surpresa.<br />

— Oh! Pois o senhor, seu André, pois o senhor não traz a sua lição sabida!...<br />

Então que diabo fez durante o tempo de estudo o senhor que não larga os livros...<br />

Entretanto, o outro Teobaldo, estava perfeitamente preparado.<br />

Esta dedicação fanática de <strong>Coruja</strong> pelo amigo crescia com o<br />

desenvolvimento de ambos; mas em Teobaldo a graça, o espírito e a sagacidade<br />

eram o que mais florescia; enquanto que no outro eram os músculos, o bom senso,<br />

a força de vontade e o férreo e inquebrantável amor pelo trabalho.<br />

Agora, o pequeno do padre já emitia opinião sobre várias coisas, já<br />

conversava; tudo isso, porém, era só com o seu amigo íntimo, com o seu Teobaldo.<br />

Parecia até que, à proporção que abria o coração para este, mais o fechava para os<br />

estranhos.<br />

Quando terminou o ano, o filho do barão havia crescido meio palmo e o<br />

<strong>Coruja</strong> engrossado outro tanto; aquele se fizera ainda mais esbelto, mais distinto e<br />

mais formoso; este ainda mais pesado, mais insociável e mais feio.<br />

Afinal, assim tão completados, formavam entre os seus companheiros uma<br />

força irresistível. Teobaldo era a palavra cintilante e ferina, era a temeridade e o<br />

arrojo; o outro era o braço em ação, a força e o peso do músculo. Um provocava e o<br />

outro resistia.<br />

Um era o florete aristocrático, fino e aguçado, que só tem a serventia de<br />

palitar os dentes do orgulho; o outro era o malho grosseiro e sólido, que tanto serve<br />

para esmagar, corno serve para construir.<br />

Partiram de novo para a fazenda,, deixando atrás de si a solene gratidão do<br />

colégio pelo catálogo da biblioteca, que "eles" concluíram e ofereceram ao<br />

estabelecimento; e deixando também por parte de seus condiscípulos um rastro de<br />

ódios, ódios que serviram aliás durante o ano para melhor os aproximar e unir,<br />

acabando por constituí-los em uma espécie de ser único, do qual um era a fantasia e<br />

outro o senso prático.<br />

Foi então que lhes chegou a notícia da morte do padre Estêvão; sucumbira<br />

inesperadamente a um aneurisma, do qual nunca desconfiou sequer, e, no<br />

testamento, legara o pouco que tinha a uma comadre e àquela criada de mau gênio<br />

que o servira.<br />

Quanto ao <strong>Coruja</strong>, nem uma referência, nem um conselho ao menos; o que<br />

fazia crer fosse escrito o testamento antes da adoção do pequeno e nunca mais<br />

reformado.<br />

Esta circunstância da morte do padre levou André a pensar em si, a pensar<br />

na sua vida e no seu destino. Interrogou o passado e o futuro e, pela primeira vez,<br />

encarou de frente a posição que ocupava ali, naquela fazenda do Barão do Palmar,<br />

esse protetor tão do acaso como o primeiro que tivera ele. Então notou que na sua<br />

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