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www.nead.unama.br<br />
— Ele é seu parente<br />
— Não.<br />
— Tutor, talvez...<br />
— É.<br />
— Como se chamava seu pai<br />
— João.<br />
— E sua mãe<br />
— Emília.<br />
— Ainda se lembra deles<br />
— Sim.<br />
E, depois de mais alguns esforços inúteis para conversação, o homem das<br />
barbas convenceu-se de que tudo era baldado e, para fazer alguma coisa, pôs-se a<br />
considerar a estranha figurinha que levava a seu lado.<br />
André representava então nos seus dez anos o espécime mais perfeito de<br />
um menino desengraçado.<br />
Era pequeno, grosso, muito cabeçudo, braços e pernas curtas, mãos<br />
vermelhas e polposas, tez morena e áspera, olhos sumidos de uma cor duvidosa e<br />
fusca, cabelo duro e tão abundante, que mais parecia um boné russo do que uma<br />
cabeleira.<br />
Em todo ele nada havia que não fosse vulgar. A expressão predominante em<br />
sua fisionomia era desconfiança, nas seus gestos retraídos, na sua estranha<br />
maneira de esconder o rosto e jogar com os ombros, quando andava, transparecia<br />
alguma coisa de um urso velho e mal domesticado.<br />
Não obstante, quem lhe surpreendesse o olhar em certas ocasiões<br />
descobriria aí um inesperado brilho de inefável doçura, onde a resignação e o<br />
sofrimento transluziam, como a luz do sol por entre um nevoeiro espesso.<br />
Chegou ao colégio banhado de suor dentro da sua terrível roupa de lustrina<br />
preta. O empregado de barbas longas levou-o à presença do diretor, que já<br />
esperava por ele, e disse apresentando-o:<br />
— Cá está o pequeno do padre.<br />
— Ah! Resmungou o outro, largando o trabalho que tinha em mão. — O<br />
pequeno do padre Estêvão. É mais um aluno que mal dará para o que há de comer!<br />
Quero saber se isto aqui é asilo de meninos desvalidos!... Uma vez que o tomaram à<br />
sua conta, era pagarem-lhe a pensão inteira e deixarem-se de pedir abatimentos,<br />
porque ninguém está disposto a suportar de graça os filhos alheios!<br />
— Pois o padre Estêvão não paga a pensão inteira Perguntou o barbadão a<br />
mastigar em seco furiosamente e a lamber os beiços.<br />
— Qual! Veio-me aqui com uma choradeira de nossa morte. E, "porque seria<br />
uma obra de caridade, e, porque já tinha gasto mundos e fundos com o pequeno",<br />
enfim foi tal a lamúria que não tive outro remédio senão reduzir a pensão pela metade!<br />
Os das barbas fez então várias considerações sobre o fato, elogiou o<br />
coração do Dr. Mosquito (era assim que se chamava o diretor) e ia a sair, quando<br />
este lhe recomendou que se não descuidasse da cobrança e empregasse esforços<br />
para receber dinheiro.<br />
— Veja, veja, Salustiano, se arranja alguma coisa, que estou cheio de<br />
compromissos!<br />
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