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matar. A tematização é tão forte que, mesmo um leitor que nunca passou por esta<br />
experiência será capaz de vivenciar o drama de ver um amigo se matando, mesmo que<br />
isso nunca venha a acontecer na vida “real” do leitor. A experiência empírica também se<br />
adquire “por tabela”, i.e., é possível conhecer uma experiência ao ouvir alguém que<br />
passou pessoalmente por aquela experiência falando a respeito. O mesmo se dá com a<br />
leitura.<br />
Para mostrar exemplos de como isso acontece muito na literatura contemporânea<br />
(apesar de já ter ocorrido no realismo machadiano), escolhi citar trechos de João Ubaldo<br />
Ribeiro e Michael Cunningham, nos quais o leitor está recebendo aquilo que as<br />
personagens também estão recebendo (informação → expectativa → reação de<br />
sentimento). O primeiro trecho é o de Michael Cunningham, que foi mencionado acima:<br />
Ela chega para ajudar Richard a se aprontar para a festa, mas ele não responde às batidas na<br />
porta. Bate de novo, mais forte, depois rapidamente, com nervosismo, destranca-a com sua<br />
própria chave.<br />
O apartamento está inundado de luz. Da soleira, Clarissa sufoca uma exclamação de espanto.<br />
Todas as persianas estão erguidas, todas as janelas estão abertas. (...)<br />
Corre até o outro aposento e encontra Richard ainda de roupão, montado no parapeito da janela<br />
aberta, uma perna emaciada ainda dentro, a outra, invisível, pendurada no ar cinco andares<br />
acima do chão.<br />
“Richard”, ela diz, severa. “Desça daí.”<br />
“Está tão bonito lá fora. Que dia. (...) Eu tomei o Xanax e o Ritalin. Juntos eles funcionam que<br />
é uma maravilha. Me sinto ótimo. (...)”<br />
“Querido, por favor, ponha as pernas no chão. Você faz isso por mim?”<br />
“Acho que não vou conseguir ir à festa. Desculpe.”<br />
“Você não precisa ir. Você não precisa fazer nada.”<br />
“Que dia, este. Que dia mais lindo, lindo.” (...)<br />
[Mais três páginas de diálogo tematizam o leitor com toda a tensão possível]<br />
(Richard:) “Receio que eu não possa ir à festa.”<br />
“Por favor, eu lhe peço, não se preocupe com a festa. Nem pense na festa. Me dê sua mão.”<br />
“Você tem sido tão boa para mim, Mrs. Dalloway.”<br />
“Richard – ”<br />
“Eu amo você. Isso lhe soa banal?”<br />
“Não.”<br />
Richard sorri. Sacode a cabeça. Diz: “Acho que ninguém pode ter sido mais feliz do que nós<br />
fomos”.<br />
Inclina-se um pouco, escorrega delicadamente do parapeito e cai.<br />
Clarissa grita: “Não – ”<br />
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