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Ele parece tão seguro, tão sereno, que por um instante Clarissa imagina que não tenha<br />

acontecido nada. Chega à janela a tempo de ver Richard ainda no ar, o roupão esvoaçando, e<br />

ainda nesse momento parece que talvez não passe de um acidente pequeno, algo passível de<br />

reparação. Ela vê quando ele atinge o chão, cinco andares abaixo, vê quando ele se ajoelha no<br />

concreto, vê quando a cabeça bate, ouve o som que ela faz e, ainda assim, acredita, pelo menos<br />

por mais um instante, debruçada no parapeito, que ele vai se levantar outra vez, meio zonzo,<br />

quem sabe, sem fôlego, mas ainda ele mesmo, ainda inteiro, ainda capaz de falar.<br />

Ela chama seu nome, uma vez. O som sai em forma de pergunta, bem mais baixo do que<br />

pretendia. Ele jaz onde caiu, de cara para o chão, o roupão atirado sobre a cabeça, as pernas<br />

nuas expostas, brancas contra o concreto escuro.<br />

Ela sai correndo do quarto, atravessa a porta, que deixa aberta. Desce correndo as escadas.<br />

Pensa em pedir ajuda, mas não pede. O próprio ar parece ter mudado, ter se separado um<br />

pouco; como se a atmosfera fosse feita, de modo palpável, de substância e de seu oposto.<br />

(CUNNINGHAM, 1999: 155-159)<br />

João Ubaldo Ribeiro articula o discurso de seu narrador-personagem, de modo<br />

que ele se reporte diretamente ao leitor e o insulte, provocando a ira deste:<br />

Faz dois dias, parei de escrever este livro, que, aliás, me tem saído bem menos dificultoso do<br />

que eu imaginava antes, no que desmistifico mais um pouco a suposta possessão dos escritores<br />

pelas musas, ou a necessidade de aptidões especialíssimas para escrever um livro. Além disso,<br />

aprende-se com a prática (...). Não vou corrigir nada, até porque não está mal escrito. (...)<br />

(...) Sei que, irremediavelmente, cada um que ler estas páginas vai fazer uma ideia individual,<br />

diversa das alheias, embora talvez semelhante nas linhas gerais. Mas compete a mim manter a<br />

disciplina narrativa sob controle racional, procurando evitar tanto quanto possível<br />

interpretações equivocadas, irritantes e enervantes. Se você acha que posso estar me referindo a<br />

você, tem toda a razão, porque a maioria lê através de filtros a que se apega de forma demente<br />

e não vejo motivo para você ser exceção. Há muita gente, gente demais, que lê nas entrelinhas,<br />

um perfeito exercício de imbecilidade, (...) aqui não são oferecidas entrelinhas, à merda o<br />

entrelinhador, pode largar este livro e ir gastar seu tempo ruminando o bolo alimentar de<br />

sempre. Melhor do que ler textos diretos querendo ser esperto e vendo nele coisas indiretas.<br />

(...) E algum idiota, inclusive possivelmente você, ao menos segundo meus critérios<br />

estatísticos, poderá ficar pensando em denúncias e outras tolices semipanfletárias, em sua<br />

maior parte cretinas. (...) não vou deixar o que venha de você atingir-me, mas exasperação<br />

contra a burrice geral, o que me leva a reiterar que leia se quiser; se não quiser, vá pastar com<br />

as outras alimárias. (RIBEIRO, 2002: 179-182)<br />

Diz Jauss sobre os ensaios no campo da experiência estética:<br />

(...) encontram sua limitação necessária na competência do especialista em literatura. Ainda<br />

quando estes ensaios incluam testemunhos da história de outras artes e se apóiem nos<br />

resultados da história da filosofia e da história dos conceitos, de modo algum desmentem que o<br />

autor adquiriu sua experiência, assim como que sua reflexão hermenêutica se formou na práxis<br />

da interpretação literária. (JAUSS, 2001: 45)<br />

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