16.04.2013 Views

Download do livro - cchla - UFRN

Download do livro - cchla - UFRN

Download do livro - cchla - UFRN

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

trevas, o artista não fala mais por um povo que existe, ao menos não no<br />

senti<strong>do</strong> antigo. Sua obra, desde os avanços da episteme moderna, passa a<br />

apresentar reflexos de abismos que até então não eram vivencia<strong>do</strong>s por<br />

muitos seres. O artista, o poeta, os bandi<strong>do</strong>s de to<strong>do</strong>s os poemas, já não<br />

6<br />

partilham uma mesma experiência que o povo <strong>do</strong> qual fazem parte . A<br />

degeneração progressiva <strong>do</strong> corpo das comunidades, esvaziadas pela<br />

violência que acompanhara os crescentes fenômenos urbanos, veio servir<br />

7<br />

de solo a partir <strong>do</strong> qual sementes estranhas começaram a dar seus frutos .<br />

Chegara o momento em que o cria<strong>do</strong>r tomava para si aquilo que<br />

outrora fora atribuí<strong>do</strong> aos deuses. Desde então, a criatura deixa de ser cria<strong>do</strong><br />

para ocupar o lugar <strong>do</strong> cria<strong>do</strong>r. Com suas sensações mais singulares,<br />

desposadas por uma voz de auto-referência eminentemente poiética, o<br />

artista passa a compor obras tão somente suas, como uma súbita visão <strong>do</strong><br />

mais longínquo que se poder vislumbrar desde as perspectivas reinantes,<br />

até quase escapar por completo aos <strong>do</strong>mínios históricos.<br />

O deserto na arte não compõe apenas tintas que o representam em<br />

uma tela qualquer, no século XX, o deserto que ela havia feito vir aos homens<br />

parecia tornar-se maior <strong>do</strong> que toda a Terra. Os claustros que perpassavam a<br />

pena e a vida de Kafka já haviam transposto o aban<strong>do</strong>no a qualquer<br />

8<br />

tentativa de síntese de uma possível experiência coletiva partilhada . E só<br />

assim, por para<strong>do</strong>xal que seja, ele foi um <strong>do</strong>s escritores que sabiamente<br />

conseguiu atingir a forma da sociedade na qual existia, absurda.<br />

Desde a volúpia emana<strong>do</strong>ra da expressão artística, nas condições<br />

em que se encontra apartada da produção exterior, a tradição tal como se<br />

conhecia havia se esfacela<strong>do</strong>, o vínculo das eras partira-se, o processo de<br />

atomização <strong>do</strong> corpo social fizera sumir a experiência, quiçá uma vez por<br />

9<br />

todas, diante daqueles que eram designa<strong>do</strong>s como poetas e artistas . A aura<br />

evaporara-se junto das condições que a faziam existir. A história, por sua vez<br />

enredada nos processos descodifica<strong>do</strong>res, deixara de seguir seus caminhos<br />

orgânicos. Em seu meio, incorporaram-se corpos estranhos, quantidades<br />

crescentes de máquinas entrópicas que fazem elos entre os seres como<br />

quem faz ligações entre mortos desconheci<strong>do</strong>s. Nada se fica, tu<strong>do</strong> se vai. Ao<br />

invés de um senti<strong>do</strong> comum, espelhos cada vez mais tiranos, cada vez mais<br />

profun<strong>do</strong>s. Sobre cada pincelada, um verso de ser solidão incandescente –<br />

10<br />

o poeta arde nessa chama .<br />

*<br />

Daí em diante, velo-cidade-modernidade, transformações,<br />

técnicas, inovações, sociais, inconscientes. A fotografia, o cinema, o rádio,<br />

Lucas Fortunato | Edson Gonçalves Filho | Lisandro Loreto 191

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!