Download do livro - cchla - UFRN
Download do livro - cchla - UFRN
Download do livro - cchla - UFRN
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
11 Em grande parte, a ruína das cosmologias ocorreu devi<strong>do</strong> à inconseqüente penetração e difusão <strong>do</strong> vírus<br />
fractal Machinapura nos corpos das sociedades. Como se sabe, a ciência moderna apresenta-se como saber<br />
que não encontra limites. Chamamos micro-racionalidade toda produção de saber que funciona com fim em<br />
si mesmo, meio como se se fundasse sobre um campo próprio de imanência relativamente autônomo. As<br />
micro-racionalidades são também práticas em circuitos integra<strong>do</strong>s, redes sistêmicas de ação,<br />
funcionalidades regidas por economias energetistas, calculadas sob fins e resulta<strong>do</strong>s específicos, utilizáveis,<br />
rentáveis, inteligentes. – Tal como acontece com o caso paradigmático da merca<strong>do</strong>ria – espécie de núcleosecreto<br />
da anatomia política moderna –, a invenção ou a reprodução ampliada de formas faz ruir o antigo em<br />
função <strong>do</strong> novo, numa dinâmica específica da renovação que se confunde com o ciclo amplia<strong>do</strong> da morte.<br />
Assim, em conseqüência da produção advinda de micro-racionalidades com fim em si mesmo, a intromissão<br />
sem limites de novas expressões e conteú<strong>do</strong>s no campo de consistência capitalista não deixa de ser uma<br />
produção de detritos, fatalmente indigeríveis ou não assimiláveis pelo metabolismo fisiológico planetário. A<br />
artificialização <strong>do</strong> corpo pleno civiliza<strong>do</strong> pode ser vislumbrada nos desastres ecológicos, sejam eles 'verdes'<br />
ou 'cinzas'. Machinapolis não é senão uma imensa armadilha material, ecologia de síntese artificializante<br />
eminentemente futurística.<br />
12 “O filósofo <strong>do</strong> futuro é artista e médico (...) O filósofo <strong>do</strong> futuro é ao mesmo tempo o explora<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s velhos<br />
mun<strong>do</strong>s, cumes e cavernas, e só cria à força de se lembrar de qualquer coisa que foi essencialmente<br />
esquecida. Esta qualquer coisa, segun<strong>do</strong> Nietzsche, é a unidade <strong>do</strong> pensamento e da vida. Unidade<br />
complexa: um passo para a vida, um passo para o pensamento. Os mo<strong>do</strong>s de vida inspiram maneiras de<br />
pensar, os mo<strong>do</strong>s de pensar criam maneiras de viver. A vida activa o pensamento e o pensamento, por seu<br />
la<strong>do</strong>, afirma a vida”. Gilles Deleuze, Nietzsche. Lisboa: Edições 70, s/d, p. 17-18.<br />
13 Friedrich Nietzsche, Da utilidade e desvantagem da história para a vida, p. 37.<br />
14 “O capitalismo tende para um limiar de descodificação que desfaz o socius em benefício de um corpo sem<br />
órgãos e que, sobre este corpo, liberta os fluxos <strong>do</strong> desejo num campo desterritorializa<strong>do</strong>”. Gilles Deleuze e<br />
Félix Guattari, “As máquinas desejantes”, in O anti-Édipo, p. 37.<br />
15 Cf. Pierre Clastres, “Troca e poder: filosofia da chefia indígena”, “Da tortura nas sociedades primitivas” e “A<br />
sociedade contra o Esta<strong>do</strong>”, in A sociedade contra o Esta<strong>do</strong> – pesquisas de antropologia política. São Paulo:<br />
Cosac & Naify, 2003 – e Gilles Deleuze e Félix Guattari, O anti-Édipo, onde se lê: “fluxos descodifica<strong>do</strong>s a<br />
correrem sobre um socius cego e mu<strong>do</strong>, desterritorializa<strong>do</strong> – é este o pesadelo que a máquina primitiva<br />
esconjura com todas as suas forças (...) A máquina primitiva não ignora a troca, o comércio e a indústria,<br />
mas esconjura-os, localiza-os, esquadria-os”, p. 157-158.<br />
16 Embora tenha si<strong>do</strong> Walter Benjamin aquele que ousou pensar a modernidade à luz <strong>do</strong> suicídio ainda no<br />
entre-guerras, coube a Michel Foucault elaborar to<strong>do</strong> um estu<strong>do</strong> acerca das condições epistêmicas da<br />
formação <strong>do</strong> Homem, até formular o seu fim iminente, inspira<strong>do</strong> pelo pensamento de Friedrich Nietzsche<br />
acerca da morte de Deus. Cf. “Psicanálise, etnologia”, in As palavras e as coisas: uma arqueologia das<br />
ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 517 s. – Gilles Deleuze, por sua vez, num estu<strong>do</strong><br />
dedica<strong>do</strong> à obra de Michel Foucault, escreve acerca <strong>do</strong> que poderia ser pensa<strong>do</strong> como a nova forma que se<br />
anuncia, que intitula de 'super-homem': “As forças no homem entram em relação com forças de fora, as <strong>do</strong><br />
silício, que se vinga <strong>do</strong> carbono, as <strong>do</strong>s componentes genéticos, que se vingam <strong>do</strong> organismo, as <strong>do</strong>s<br />
agramaticais que se vingam <strong>do</strong> significante (...) é o surgimento de uma nova forma, nem Deus, nem o<br />
homem, a qual, esperamos, não será pior que as duas precedentes”. Cf. Foucault. São Paulo: Brasiliense,<br />
2005, p. 141-142.<br />
17 Cada época parece descobrir suas fraquezas e limites quan<strong>do</strong> é tomada de súbito por uma peste que lhe é<br />
característica. Com suspicácia, a nossa era está tomada pela maior das catástrofes, nos diz Paul Virilio. O<br />
estratega e urbanista questiona a produção desenfreada de máquinas de entropia, sem quaisquer critérios<br />
éticos, morais ou mesmo ecológicos. – Esquizo-analiticamente, enquanto a indústria dissemina-se pelos<br />
continentes, ao longo <strong>do</strong> século XX, vê-se agravar os efeitos danosos ao ambiente terrestre, provoca<strong>do</strong>s pela<br />
contaminação e poluição hidrosféricas, atmosféricas e de outros tipos; a ameaça constante à fauna e flora <strong>do</strong><br />
planeta, sem falar das hecatombes sociais maquinadas em escala também industrial. Desde o conheci<strong>do</strong><br />
pós-guerra, todavia, entra em ação um outro tipo de contaminação, que está diretamente ligada à extensão,<br />
cuja proposição, segun<strong>do</strong> Virilio, incita a pensar como “poluição dromosférica” – referencialmente a dromos,<br />
carreira ou velocidade –; em nossos termos, poluição entrópica: “cabe a nós tentar descobrir o acidente<br />
original específico deste tipo de inovação técnica. A menos que se esqueça voluntariamente que a invenção<br />
<strong>do</strong> naufrágio é a criação <strong>do</strong> navio ou que a invenção <strong>do</strong> acidente ferroviário é o surgimento <strong>do</strong> trem, é<br />
imperativo que questionemos a face oculta das novas tecnologias antes que ela se imponha, contra nossa<br />
vontade, à evidência. Atualmente a contaminação viral já traz uma primeira resposta à questão da<br />
Lucas Fortunato | Edson Gonçalves Filho | Lisandro Loreto 271