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Máquinas de Entropia Social<br />
*<br />
Considerem um fósforo. Coisa pequena e simples. Um fugaz palito<br />
de madeira, finíssimo, com substâncias inflamáveis em uma extremidade.<br />
A energia que ele carrega em si é estupenda! Quantos de nós, nos dias de<br />
hoje, nas condições atuais, quer dizer, agora!, saberiam fazer fogo sem<br />
essas facilidades provenientes de uma tal maquineta, isto é, sem fósforos?<br />
Walter Benjamin foi um <strong>do</strong>s primeiros pensa<strong>do</strong>res a fazer estu<strong>do</strong>s<br />
sobre Machinapolis. Ele levou adiante perguntas e problemáticas como<br />
essas que acabamos de evocar, só que isso há muitas décadas, há umas<br />
duas ou três gerações atrás de nós!<br />
Pois bem, dizer que um fósforo é uma máquina de energia implica<br />
dizer que, uma vez que tal artefato é posto em uso e distribuí<strong>do</strong> por toda a<br />
sociedade, uma série de movimentos fisiológicos, e portanto, corporais,<br />
deixam de ser necessários para a consecução de determina<strong>do</strong>s fins, qual<br />
seja, pôr fogo em algo ou mesmo fazer um pouco de luz de fogo: muitos <strong>do</strong>s<br />
movimentos que, em outras condições, envolveriam vários seres, como o fato<br />
corriqueiro mesmo de acender uma fogueira em uma sociedade ameríndia.<br />
Com o fósforo, e já podemos ampliar to<strong>do</strong> o conceito, com uma<br />
máquina de entropia social, inúmeros movimentos corporais e fisiológicos<br />
complexos e necessários (até então) deixam de o ser, pois, com um simples<br />
gesto de uma parte mínima <strong>do</strong> corpo, algo tão grandioso pode vir a ser e<br />
afinal acontecer! Por conseguinte, essa entropia tornada trabalho morto<br />
troca o complexo somático pelo amplexu maquínico. E se traz uma espécie<br />
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de conforto, de facilidade, acarreta também um certo isolamento ...<br />
Assim, as máquinas de entropia social atuam em <strong>do</strong>is pólos<br />
(relativamente à 'moralidade <strong>do</strong> costume'): a desfiguração das energias<br />
anímicas – <strong>do</strong> corpo à máquina – e o isolamento – que troca a práxis<br />
coletiva, ou a aura da experiência de vida compartilhada, pela individuação<br />
na vivência. Precisamente, na medida em que o processo que o ser deveria<br />
travar com outrem, para a realização de tais fins a que se motiva, passa a<br />
poder ser realiza<strong>do</strong> a sós, ten<strong>do</strong> como companhia máquinas de fazer isso,<br />
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máquinas de fazer aquilo, e assim por diante .<br />
Mas não é tu<strong>do</strong>. Não são apenas movimentos corporais que deixam<br />
de ser pratica<strong>do</strong>s em troca da entropia maquínica, mas até mesmo certas<br />
sensações, talvez até mesmo algumas emoções se esvanecem, perdem-se<br />
como conseqüência da conexão da fisiologia animal à Machinapura, ao<br />
Lucas Fortunato | Edson Gonçalves Filho | Lisandro Loreto 225