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:: Depoimentos - IDART 30 Anos<br />
de desenvolvimento artístico, interrompido com o golpe de 64.<br />
Como é preciso finalizar essa nossa conversa, eu gostaria de sugerir<br />
que a boa dramaturgia brasileira é aquela que ainda hoje procura, em<br />
algum nível, descobrir formas novas de representar o irrepresentável: uma<br />
sociedade com particularidades locais em conexões profundas com os<br />
processos mundiais do capitalismo, em que a desumanização se impõe a<br />
todos, sobretudo aos mais pobres, em graus cada vez mais avançados, em<br />
que a mercantilização da vida se expande sem freios em todos os níveis<br />
subjetivos e objetivos.<br />
O trabalho dramatúrgico da Companhia do Latão é diferente do trabalho<br />
de Brecht porque temos que lidar com essas coordenadas históricas<br />
diferentes. Brecht escreveu suas peças num momento e num lugar mais<br />
definidos do ponto de vista do conflito de classes, quando o capitalismo<br />
tinha menos camadas <strong>para</strong> encobrir os processos desumanizadores. Os<br />
véus da reificação eram menos compostos, o processo de dominação mais<br />
exposto, a coisificação da vida menos internalizada na subjetividade pela<br />
precarização do mundo do trabalho. Um momento em que o capitalismo<br />
tinha menos capacidade de desorganizar sua contestação.<br />
O que a Companhia do Latão fez de importante, me parece, decorre<br />
da tentativa de pensar referências formais épico-dialéticas em diálogo<br />
com uma matéria social em mutação e ainda rarefeita nas suas práticas<br />
violentas. Todas as peças que a Companhia do Latão escreveu tratam<br />
disso. Em O Nome do Sujeito, a figura central da peça é um barão do<br />
império, pernambucano. Aberta aos influxos do capitalismo mundial,<br />
Recife é uma das primeiras cidades a se modernizar, na década de 1860,<br />
com forte aceleração burguesa. Esse barão faz, supostamente, um pacto<br />
com o demônio, e surge em cena como sinal de mais uma das trocas<br />
mercantis daquela sociedade. É uma figura da elite tão impalpável que<br />
não aparece em cena, mesmo sendo o personagem central. Nos outros<br />
trabalhos da Companhia do Latão, as figuras capitalistas centrais, sejam<br />
próximas da vida burguesa ou aristocrática, vivem na mesma freqüência<br />
de indeterminação. N’A Comédia do Trabalho, são gêmeos, em trânsito<br />
constante, vivendo a má infinidade em que “um é o outro, o outro é<br />
o um”, <strong>para</strong> usar os termos de José Antônio Pasta Jr. São patéticos ou<br />
grotescos: em chave ridícula, representam a mesma indefinição burguesa<br />
como recurso deliberado de manutenção de poder. No Auto dos Bons Tratos,