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:: Depoimentos - IDART 30 Anos<br />
absurdo dizer que a cultura brasileira não existe em si; a cultura brasileira<br />
é isso. Não tem é, não tem é isso. A cultura brasileira está dentro de um<br />
processo muito forte, muito grande. Só não foi <strong>para</strong> o vinagre com tudo<br />
o que tem acontecido porque existe uma cultura muito forte que a gente<br />
não consegue dimensionar. Que diabo é isso? Que valores são esses que<br />
muitas vezes a gente não conhece, que a gente nem representa, nem<br />
consegue representar; que homem é esse? Que homens são esses, nessa<br />
variação toda? É uma atribuição da gente, de todo mundo que produz<br />
cultura. Que gente é essa que ainda está aí e continua? Percebe? É isso<br />
que me parece interessante. A questão do negro, da informação, do GLS,<br />
dessa grande variedade; essa é a cultura brasileira. É por isso que a gente<br />
precisa de uma cultura aberta, abrigadora de absolutamente tudo isso. A<br />
gente tem que repensar e muito a cultura que nós temos enquanto cultura<br />
de absoluta exclusão, um modelo absolutamente excludente de toda a<br />
imensa variedade que faz parte da nossa cultura.<br />
Sérgio de Carvalho – Vou pegar um tema sugerido pelo companheiro<br />
que usou a seguinte imagem: que cultura brasileira é essa em que os<br />
homens negros são “ferrados”. Historicamente, isso não é só uma força<br />
de expressão. Tem registros do século XVIII em que senhores de escravos<br />
de Ouro Preto eram julgados por terem chegado ao extremo de mandar<br />
ferrar um escravo. Literalmente pôr uma ferradura como punição à fuga.<br />
A punição, até <strong>para</strong> a Câmara Municipal de Ouro Preto, parecia um pouco<br />
pesada demais. Diante disso, surge a questão da representação: qual a<br />
forma de encenar essa violência? A telenovela das seis da tarde, aquela de<br />
época, já mostrou muitas vezes cenas de senhores judiando seus escravos.<br />
E isso se dá quase sempre sob um signo moral. É assim: um senhor de<br />
escravos terrível, excedendo a medida da desumanidade, pune o escravo<br />
de modo absurdo, o que, rigorosamente, não gera crítica à sociedade,<br />
mas ao indivíduo. Em última instância, faz parecer que o capitalismo é<br />
uma coisa normal, e condenáveis são apenas certos excessos gerados por<br />
ele. Assim, ter escravo é normal <strong>para</strong> a novela das seis. O anormal é a<br />
perversidade. Ao fazer a peça Auto dos Bons Tratos, utilizamos a imagem<br />
do escravo com ferradura. O Tourinho, personagem da peça, era alguém<br />
que não teria problemas em mandar fazer isso. Não com um negro porque<br />
o momento da peça é anterior ao estabelecimento do escravismo como