clique aqui para download - Centro Cultural São Paulo
clique aqui para download - Centro Cultural São Paulo
clique aqui para download - Centro Cultural São Paulo
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
116<br />
:: Depoimentos - IDART 30 Anos<br />
vontade de descobrir o ‘ser brasileiro’. Ele citou o Arena e o Oficina, a<br />
questão formal <strong>para</strong> descobrir como é que eu dou conta desse brasileiro em<br />
cena. Os quinhentos anos foram um motor, criou uma curiosidade coletiva<br />
de fazer o caminho de volta mesmo. Muitos espetáculos que a gente vê<br />
tentam responder a essa pergunta: A Comédia do Trabalho, Os Sertões,<br />
Borandá, Assombrações..., cada um com seu recorte, mas todos tentando<br />
responder ou, pelo menos, levantar uma possibilidade de resposta.<br />
Flávio Aguiar – Para concluir minha participação, vou contar mais<br />
uma historinha que aborda simbolicamente o universo das questões<br />
colocadas <strong>aqui</strong>. Quando os navegadores portugueses chegaram à Bahia,<br />
houve quatro grandes rituais de fundação daquele encontro no Brasil.<br />
O último, o que nos ficou mais de perto, foi aquele em que o escrivão<br />
enviou uma carta ao rei. Não foi <strong>para</strong> qualquer pessoa. Foi um ritual<br />
que ele cumpriu dando conta do achamento, ou descobrimento, que eles<br />
tinham feito. O interessante é que, ao terminar a carta, ele pede um<br />
favor, não me lembro se <strong>para</strong> o cunhado ou o genro dele, degredado<br />
<strong>para</strong> a Ilha de São Tomé. Ele pede que o rei não só permita que ele<br />
volte a Portugal, mas também um emprego. Ou seja, já o Caminha havia<br />
instituído o pistolão no Brasil. Foi o primeiro ritual, o mundo do favor, da<br />
cordialidade. Caminha teve um destino trágico, nem voltou <strong>para</strong> Portugal,<br />
pois morreu na Índia, no fim de 1500. O outro ritual, retrocedendo, foi<br />
que, lá pelas tantas, o Cabral resolveu receber os povos estranhíssimos<br />
que eles estavam vendo, e que eles não sabiam quem eram, na caravela.<br />
Ele montou um trono, assentou-se e mandou, pediu, instou que os índios<br />
viessem <strong>para</strong> a apresentação do Estado português, junto com as quinas,<br />
aquelas coisas que eles traziam, os marcos, etc. Pois bem, o que os índios<br />
fizeram? Subiram na caravela. Segundo o Caminha, se impressionaram<br />
muito com as galinhas, que não conheciam; deitaram ao lado do trono e<br />
dormiram. O segundo, nessa ordem, já foi mais barra-pesada: a realização<br />
da primeira missa no Brasil, que ficou celebrizada no quadro. Eu digo<br />
que é pesado porque introduziu um imaginário que não existia nestas<br />
terras. Não estou discutindo, do ponto de vista religioso, se é certo ou<br />
se é errado, mas foi introduzido o inferno, o céu, o <strong>para</strong>íso, e todas as<br />
culturas locais foram reduzidas a passado da humanidade, a partir de<br />
então condenadas à extinção. O primeiro ritual é o que mais me interessa.