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Seminário de Dramaturgia ::<br />
necessariamente lidar com uma questão que conecta forma e conteúdo:<br />
parece existir uma inadequação de base, um desacordo entre nossa matéria<br />
social e as formas dominantes da representação, isto é, as formas que<br />
herdamos das tradições européias e que dão nossas referências estéticas,<br />
formas apresentadas como universais mas que embutem valores e pontos<br />
de vista que nem sempre dialogam bem com as dimensões históricas de<br />
nossa matéria social.<br />
Então, a gente tem um duplo problema. De um lado, descobrir<br />
assuntos, ou mais do que isso: aspectos da vida que sirvam a uma<br />
compreensão da realidade e da experiência local em conexão com o tempo<br />
mundial. De outro lado, temos que empreender uma crítica das formas<br />
dominantes, não por serem estrangeiras, mas por trazerem sedimentadas<br />
em si valores ideológicos – e esses valores assumem sentidos diferentes<br />
quando deslocados <strong>para</strong> o Brasil. Com isso, quero dizer que, sempre, em<br />
algum nível, as formas consagradas do romance, do drama e da encenação<br />
precisam ser questionadas e reinventadas quando tratamos da experiência<br />
social brasileira.<br />
Se eu não estiver enganado, o primeiro momento histórico em que<br />
isso ficou claro em todos os tons foi no modernismo dos anos 20 e 30,<br />
tanto na arte como nas ciências sociais. Foi a crítica sociológica dos anos<br />
30 – através de pensadores como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado<br />
e até mesmo Gilberto Freyre – que se interessou pelo debate da formação<br />
histórica do Brasil e percebeu, de jeitos variados, um problema que pode ser<br />
definido da seguinte forma: a sociedade brasileira se constrói e sofre seus<br />
processos de aburguesamento em torno do enigma da falta de alteridade.<br />
Nos termos de um pensador social contemporâneo, Francisco de Oliveira,<br />
é uma sociedade em que a dimensão do “outro” é sistematicamente<br />
anulada, em que a burguesia não define os campos da autonomia. Pelo<br />
fato de a periferia do capitalismo não ter formado seus mercados internos,<br />
pelo fato de o trabalho livre ter sido uma prática muito recente na nossa<br />
história, não se formou por <strong>aqui</strong> um lugar da autonomia do sujeito, do<br />
estabelecimento das identidades sociais.<br />
O enigma da “falta de alteridade” aparece, por exemplo, no livro<br />
Raízes do Brasil, do Sérgio Buarque de Holanda, quando ele descreve<br />
nossa “ética de fundo emotivo”, nossa dificuldade com os rituais sociais.<br />
Para ele, é característica da nossa herança lusitana um certo “horror às<br />
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