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<strong>EMBAIXO</strong> das velhas <strong>ESTRELAS</strong><br />
Entristeceu-se por sua falta de perspectivas, sentiu que<br />
chorava, mas apalpando os próprios olhos percebeu que eles<br />
não derramavam lágrimas. Esse choro seco lhe trouxe novas<br />
perguntas: caso a farpa nunca tivesse existido, não teria ela<br />
sido criada por ele mesmo, como um instrumento de defesa<br />
contra um mundo perfeito? Porque nos mundos perfeitos não<br />
existem lugares para as individualidades, e ele, como ilha ímpar<br />
boiando solitária e tentando não se dissolver no oceano, usava<br />
de todos os artifícios possíveis para continuar imperfeito, mas<br />
existindo. Caso sua doença fosse curada, também o seria a vida<br />
que se amarrava a ela?<br />
E as perguntas continuaram se espalhando, ele sabia que<br />
teria de lutar contra elas: além da farpa, o que mais poderia<br />
ser irreal? Sobraria algo concreto? E se sobrasse, e ele tivesse<br />
certeza de que uma determinada árvore era verdadeira, o que<br />
então deveria fazer, subir nela e viver o resto da vida no alto de<br />
sua copa?<br />
O fogo das perguntas ardeu tanto e de maneira tão rápida,<br />
que parece que consumiu todo o oxigênio que as sustentava.<br />
Elas extinguiram-se, e em meio ao que sobrou, ele sentiuse<br />
como uma abelha, que se acalma quando a borrifam com<br />
fumaça. As dúvidas tinham sumido até de sua memória, seus<br />
passos eram automáticos e sua mente enevoada não desconfiava<br />
das cores suspeitas dos céus.<br />
Ele agora caminhava olhando para frente, não esperava<br />
mais as surpresas de diminuição de distância, que as olhadas<br />
eventuais para frente lhe traziam. Encarava o bosque que se<br />
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