Geografia e geopolítica: a contribuição de ... - Biblioteca - IBGE
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<strong>Geografia</strong> e <strong>geopolítica</strong><br />
98 ........................ A <strong>contribuição</strong> <strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho e Therezinha <strong>de</strong> Castro<br />
Neste ponto das reflexões, percebemos mais claramente o quanto simplificamos<br />
a observação feita por Lacoste (1977) <strong>de</strong> que “o problema i<strong>de</strong>ológico parece estar no cerne<br />
do problema epistemológico da <strong>Geografia</strong>”. O que seria este i<strong>de</strong>ológico no discurso<br />
<strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho?<br />
Delgado via o Brasil como um País <strong>de</strong> graves problemas social e econômico, e<br />
a sua opção por tentar resolver estes seria pela divulgação <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> forma a<br />
sensibilizar as elites e, através <strong>de</strong>stas, a intervenção do Estado na aplicação <strong>de</strong> políticas<br />
e programas que efetivamente levariam às mudanças necessárias. Logicamente que<br />
esta opção política não foi exclusivida<strong>de</strong> sua, mas o caminho trilhado pela maioria dos<br />
intelectuais do período.<br />
Numa socieda<strong>de</strong> como a nossa, situada “num contexto rigidamente hierarquizado,<br />
on<strong>de</strong> a margem <strong>de</strong> atuação [...] fora da área <strong>de</strong> dominação e especialmente do po<strong>de</strong>r<br />
estatal, era bastante escassa” (GANDINI, 1986, p. 83), não se po<strong>de</strong>ria esperar outra<br />
postura <strong>de</strong> nossos intelectuais. O que se <strong>de</strong>duz disso é que num País <strong>de</strong> analfabetos, os<br />
únicos capazes <strong>de</strong> consumir i<strong>de</strong>ias impressas eram as elites, logo o intelectual que almejasse<br />
a consolidação <strong>de</strong> suas propostas teria que se vincular àquelas facções das elites<br />
com a qual se i<strong>de</strong>ntificava e, através <strong>de</strong>stas, atingir o po<strong>de</strong>r do Estado. Diante disso,<br />
Gandini (1986, p. 83) complementa:<br />
Num país cuja a transição para o capitalismo se dá pela ‘via prussiana’ [...] transformações<br />
pelo alto, cujos resultados são a participação restrita das classes populares na transforma-<br />
ção, assumindo o Estado a condição do locus da conciliação <strong>de</strong> classes. O Papel do intelec-<br />
tual nesse contexto e mesmo o seu pensamento político estarão estreitamente relacionados<br />
com as condições acima <strong>de</strong>lineadas.<br />
Problematiza-se, <strong>de</strong>sta forma, a i<strong>de</strong>ia do “vínculo i<strong>de</strong>ológico do intelectual com<br />
a classe dominante” brasileira. As opções políticas e as representações produzidas e<br />
divulgadas por <strong>de</strong>terminado intelectual, bem como seus vínculos i<strong>de</strong>ológicos e valores<br />
morais, não cabem numa simples caracterização <strong>de</strong> seu discurso como fruto direto dos<br />
interesses <strong>de</strong> um Estado maquiavélico em si.<br />
No caso <strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho, só po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r suas opções se tivermos<br />
condições <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>rmos melhor as condições em que produziu suas i<strong>de</strong>ias. As opções<br />
assumidas por Delgado ocorreram <strong>de</strong>ntro dos limites históricos do <strong>de</strong>senvolvimento técnico-científico<br />
das forças produtivas da socieda<strong>de</strong> capitalista, além, é claro, <strong>de</strong> sua ascendência<br />
cultural e social. Ele optou pelas respostas e meios que percebia como possíveis, tentar<br />
con<strong>de</strong>ná-lo por isto é não enten<strong>de</strong>r os condicionantes em que estas opções ocorreram.<br />
Não que se queira aqui tomar uma postura complacente para com Delgado, mas<br />
<strong>de</strong>vemos tomar cuidado em não reduzirmos todos os males ao “vínculo i<strong>de</strong>ológico”, pois<br />
assim não perceberemos aspectos mais profundos e as contradições fundamentais, formas<br />
<strong>de</strong> leituras e representações que entraram na elaboração conceitual <strong>de</strong> Delgado.<br />
Ao valorizarmos o i<strong>de</strong>ológico em si, não apreen<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> forma mais clara como<br />
este discurso foi construído e como foi absorvido e reinterpretado por aqueles que tiveram<br />
contato mais direto com o mesmo.<br />
Ao classificarmos o discurso <strong>de</strong> Delgado como voltado à “i<strong>de</strong>ologia do Estadonação”,<br />
não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> perceber que os referenciais criados/recriados por<br />
Delgado serviam para se enten<strong>de</strong>r o mundo na época e, mais que isso, não po<strong>de</strong>mos<br />
esquecer que aqueles que tiveram contato com este discurso eram seres pensantes e<br />
carregavam em si as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> questionamento e reinterpretação <strong>de</strong>ste discurso,<br />
não eram meros ouvintes passivos, como a crítica do i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong>ixa transparecer.<br />
Delgado, através <strong>de</strong> sua obra, produziu representações necessárias à i<strong>de</strong>ntificação<br />
do real, que eram reflexos das necessida<strong>de</strong>s em jogo por uma <strong>de</strong>terminada perspectiva<br />
político-i<strong>de</strong>ológica, no entanto, por serem reflexos <strong>de</strong>ssas necessida<strong>de</strong>s e estarem<br />
voltadas para o real, estas representações, como coloca Roger Chartier (1990), eram e<br />
são realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> “múltiplos sentidos”, logo não existiu uma incorporação mecânica do<br />
sentido dado pelo autor ao conteúdo <strong>de</strong> seu discurso, assim como não produziu a este<br />
discurso isolado do mundo.