Geografia e geopolítica: a contribuição de ... - Biblioteca - IBGE
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Delgado <strong>de</strong> Carvalho e a <strong>Geografia</strong> no Brasil: pioneirismo e contribuições ............... 97<br />
relação com o Estado, portanto, estava no cerne da concepção <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong> e <strong>de</strong> Escola<br />
que Delgado <strong>de</strong> Carvalho tentou implementar.<br />
Como o aparelhamento do Estado era precário, a República recém-instaurada<br />
não tinha recursos econômicos suficientes para administrar todos os conflitos e extensões<br />
<strong>de</strong>sconhecidas da realida<strong>de</strong> social, assim como as gran<strong>de</strong>s diferenças culturais nas<br />
mais diversas regiões do País precisavam ser i<strong>de</strong>ntificadas e estudadas, complementar<br />
ao mais preciso conhecimento das características físicas e das riquezas naturais. Tudo<br />
isso cobrava esforços <strong>de</strong> um Estado que queria conhecer seu território e se constituir<br />
enquanto nação, no contexto das nações mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong> então.<br />
Não havia, portanto, instituições e condições política e econômica <strong>de</strong> se produzir<br />
conhecimento científico no Brasil da primeira meta<strong>de</strong> do Século XX se não fosse com o<br />
apoio do aparelho estatal. Isso fazia que os intelectuais, <strong>de</strong> uma forma geral, se vinculassem<br />
ao Estado para viabilizar suas pesquisas e propostas. Tal fato ainda hoje perdura,<br />
mas com meios e mecanismos mais sutis, notadamente pelo fato da urbanização e<br />
acesso a escolarida<strong>de</strong> a um número maior <strong>de</strong> pessoas, o que na época <strong>de</strong> Delgado não<br />
ocorria, permitirem que membros não originários <strong>de</strong> uma elite econômica e intelectualizada<br />
tenham condições <strong>de</strong> serem pesquisadores e professores.<br />
Quando a crítica do movimento renovador do pensamento geográfico brasileiro<br />
se instaurou, notadamente na segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1970, além da ferrenha<br />
luta contra a ditadura militar, os parâmetros político-i<strong>de</strong>ológicos dos estudos epistemológicos<br />
se acirraram numa espécie <strong>de</strong> tábula rasa em relação ao contexto e condições<br />
<strong>de</strong> muitos pensadores <strong>de</strong> outrora se vincularem ao projeto estatal, como foi o caso <strong>de</strong><br />
Delgado <strong>de</strong> Carvalho.<br />
A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criticar todo o conhecimento praticado até então como meramente<br />
um saber instrumentalizado visando a aten<strong>de</strong>r os interesses <strong>de</strong> uma minoria<br />
social privilegiada, a partir do controle do aparelho estatal, a<strong>de</strong>ntrou com força nos estudos<br />
críticos do discurso geográfico. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcar uma posição política<br />
e comprometida com a mudança da or<strong>de</strong>m social levou muitos abrirem mão <strong>de</strong> aspectos<br />
necessários para se enten<strong>de</strong>r e praticar um estudo científico enquanto linguagem<br />
geográfica por uma leitura meramente <strong>de</strong> enfretamento, superficializando as análises e<br />
negando as contribuições passadas.<br />
Ao reduzir o que se produziu a uma abordagem simplista <strong>de</strong> um antagonismo<br />
mecânico em que o passado era o mau conhecimento que imperava e o presente passa<br />
a ser bom conhecimento que se instaura, acabou por se per<strong>de</strong>r os aspectos mais importantes<br />
num processo <strong>de</strong> enriquecimento do discurso científico, os elementos básicos que<br />
estruturam sua linguagem.<br />
Nesse sentido, no que tange ao núcleo teórico da <strong>Geografia</strong> <strong>de</strong>lgadiana e sua<br />
prática político-i<strong>de</strong>ológica em relação ao Estado, cobra-se uma necessária reflexão. Partamos,<br />
a título <strong>de</strong> exemplo, <strong>de</strong> uma análise crítica a esta <strong>Geografia</strong> feita por uma das<br />
gran<strong>de</strong>s estudiosas do tema.<br />
A importância que D. Carvalho conferiu ao ensino <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong> liga-se à i<strong>de</strong>ologia do na-<br />
cionalismo patriótico e, significativamente, a ciência (<strong>Geografia</strong>) <strong>de</strong>veria fornecer-lhe os<br />
instrumentos lógicos, com o fim <strong>de</strong> atingir um ‘patriotismo verda<strong>de</strong>iro, esclarecido e inte-<br />
ligente’, daí seu propósito <strong>de</strong> edificação da <strong>Geografia</strong> mo<strong>de</strong>rna, isto é, lógica, científica, no<br />
Brasil (VLACH, 1989, p. 151-152).<br />
A partir <strong>de</strong>sta análise, po<strong>de</strong>mos nos interrogar: ao se constatar que “Delgado<br />
ajudou a consolidar uma produção geográfica <strong>de</strong> forte caráter i<strong>de</strong>ológico que atendia<br />
sobremaneira às novas elites e ao Estado Capitalista”, não se acaba por simplificar <strong>de</strong>mais<br />
a questão?<br />
Parece que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> chegar à constatação <strong>de</strong>sse vínculo i<strong>de</strong>ológico po<strong>de</strong>-se<br />
dormir satisfeito. E aí se encontra o perigo. Não que essa observação seja falsa, mas<br />
ela incorre no risco <strong>de</strong> reduzir toda uma série <strong>de</strong> elaborações e questões que perpassaram<br />
<strong>de</strong>terminada época, na mecânica relação: “i<strong>de</strong>ologia dominante/alienação<br />
dos dominados”.