21.04.2013 Views

Geografia e geopolítica: a contribuição de ... - Biblioteca - IBGE

Geografia e geopolítica: a contribuição de ... - Biblioteca - IBGE

Geografia e geopolítica: a contribuição de ... - Biblioteca - IBGE

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Geografia</strong> e <strong>geopolítica</strong><br />

108 ....................... A <strong>contribuição</strong> <strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho e Therezinha <strong>de</strong> Castro<br />

grafia humana – política e econômica, 4 o que certamente contribuiu para o obscurecimento<br />

do primeiro trabalho, nunca mais editado. A recuperação <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> seus elementos,<br />

contudo, está longe <strong>de</strong> ser uma tarefa supérflua. Além <strong>de</strong> dois capítulos iniciais muito elucidativos,<br />

ausentes em <strong>Geografia</strong> humana, encontramos também em Introdução diversos<br />

trechos posteriormente omitidos, os quais, abrindo ou permeando os capítulos seguintes,<br />

orientam expressamente o professor sobre o que selecionar – e, em contrapartida, o que<br />

excluir – com relação a <strong>de</strong>terminados assuntos enfocados na prática docente.<br />

Em geral, as orientações <strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho no sentido apontado manifestam<br />

a preocupação <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar o conteúdo ensinado à capacida<strong>de</strong> cognitiva do aluno,<br />

ajudando, ao mesmo tempo, a conformar um discurso unitário e coerente para uma disciplina<br />

escolar que, tendo abandonado seu caráter <strong>de</strong>scritivo e enciclopédico, corria o<br />

risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r-se em digressões in<strong>de</strong>sejáveis em outros domínios (CARVALHO, 1929,<br />

p. 32). Como exemplo disso, vejamos o que diz Delgado após fazer restrição a <strong>de</strong>terminadas<br />

formulações <strong>de</strong> Ratzel sobre a mobilida<strong>de</strong> dos povos:<br />

Na or<strong>de</strong>m das coisas que <strong>de</strong>vem ser omitidas <strong>de</strong> preferência, mencionemos o movimento<br />

consi<strong>de</strong>rado como sendo manifestação <strong>de</strong> vida e a imobilida<strong>de</strong> como apenas uma aparên-<br />

cia. [...] Também <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>ixada <strong>de</strong> lado a teoria da ‘imutabilida<strong>de</strong> primitiva’, que aliás<br />

é inexata, como as célebres ‘migrações arianas’ [...]<br />

Em resumo, gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> assuntos que <strong>de</strong>verão, <strong>de</strong> preferência, ser omitidos em<br />

curso normal, po<strong>de</strong>m ser encontrados nos quatro capítulos da 2ª Parte da Antropogeo-<br />

grafia <strong>de</strong> Ratzel. Deles entretanto, alguma coisa <strong>de</strong> fácil interpretação <strong>de</strong>ve ser retirado e<br />

posto ao alcance dos normalistas, porque representa o fundamento indispensável da bem<br />

conhecida e concreta mobilida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna.<br />

Há, por conseguinte, uma escolha a fazer. É sabido que é tendência geral em alguns pro-<br />

fessores, que tardiamente tomaram conhecimento <strong>de</strong> certas teorias ou <strong>de</strong> certos fatos, <strong>de</strong><br />

procurar colocar a sua ciência recente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da receptivida<strong>de</strong> do auditório<br />

[...]. Apesar <strong>de</strong> sedutoras, o professor <strong>de</strong>ve saber resistir às especulações filosóficas e às<br />

hipóteses engenhosas, freqüentes em geografia humana, mas pertubadoras no ensino<br />

secundário” (CARVALHO, 1929, p. 23-24).<br />

Não raramente, no entanto, tais recomendações <strong>de</strong>notam intenções que transcen<strong>de</strong>m<br />

em muito o mérito propriamente didático da questão, buscando na verda<strong>de</strong><br />

contornar impasses cuja origem estaria no caráter eminentemente polêmico <strong>de</strong> alguns<br />

temas <strong>de</strong> estudo, tais como: os <strong>de</strong>sníveis culturais entre os povos, a expansão territorial<br />

dos estados e a questão racial. Nesses casos, a preocupação maior <strong>de</strong> Delgado parece<br />

ser a <strong>de</strong> adaptar para o universo do ensino temas atravessados por questões <strong>de</strong> fundo<br />

político e i<strong>de</strong>ológico; temas esses que, no limiar da década <strong>de</strong> 1930, começavam a ser<br />

postos em evidência pelo rumo dos acontecimentos internacionais. É assim, portanto,<br />

que iremos encontrar em Introdução à geografia política, pon<strong>de</strong>rações como a seguinte:<br />

“É inútil [...] mencionar, na sala <strong>de</strong> aula, em que consiste o ‘problema ariano’, 5 só traria<br />

confusão” (CARVALHO, 1929, p. 29).<br />

4 <strong>Geografia</strong> humana – política e econômica (1933) teve sua segunda edição em 1935 e a terceira em 1938, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma série da<br />

<strong>Biblioteca</strong> Pedagógica Brasileira, dirigida por Fernando <strong>de</strong> Azevedo. Na década <strong>de</strong> 1960, já com a co-autoria <strong>de</strong> Therezinha<br />

<strong>de</strong> Castro, surgiram novas edições com o mesmo título, mas que não apresentam alguns capítulos fundamentais da obra<br />

original.<br />

5 Por “problema ariano” po<strong>de</strong> ser entendida a polêmica em torno da origem do povoamento da Europa. Delgado oferece<br />

informações <strong>de</strong>talhadas sobre o tema num manual <strong>de</strong> sociologia (CARVALHO, 1931, p. 114-15). Neste, se lê que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

primeira meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Século XIX estudiosos alemães explicavam essa origem com base na migração dos arias (ou arianos),<br />

tidos como uma ‘raça pura’, da Ásia Central para a Europa, na última glaciação. Questionamentos a tal explicação começaram<br />

a aparecer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, baseados em <strong>de</strong>scobertas arqueológicas que evi<strong>de</strong>nciavam a presença humana no continente<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o alto quaternário, bem antes das supostas migrações. Em 1864, em reunião na Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antropologia <strong>de</strong> Paris,<br />

o cientista belga d’Halloy formalizou um protesto contra a teoria. Em 1883, porém, o austríaco Penka conferiu a ela novo<br />

impulso, reivindicando a pureza da raça escandinava, os proto-arias, bem como sua superiorida<strong>de</strong> em relação às <strong>de</strong>mais.<br />

Assim, o <strong>de</strong>bate teve ainda certa ressonância no meio intelectual europeu até o final do Século XIX. Convém lembrar que a<br />

hipótese da pureza ariana, <strong>de</strong>squalificada cientificamente na época em que escreve Delgado, ressurge com força no contexto<br />

<strong>de</strong> ascensão do nacional-socialismo na Alemanha.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!