Geografia e geopolítica: a contribuição de ... - Biblioteca - IBGE
Geografia e geopolítica: a contribuição de ... - Biblioteca - IBGE
Geografia e geopolítica: a contribuição de ... - Biblioteca - IBGE
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Delgado <strong>de</strong> Carvalho e o ensino <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong> Política ................................. 111<br />
as fronteiras, objeto <strong>de</strong> contestações com vizinhos, a questão político-militar-econômica do<br />
Adriático; a mobilida<strong>de</strong> dos povos, exemplificada por migrações que bem conhecemos, etc.<br />
São todas questões atuais, políticas, sociais, econômicas, internacionais num quadro geo-<br />
gráfico significativo, <strong>de</strong>terminante, <strong>de</strong>cisivo: por isto é incontestável domínio da Geogra-<br />
fia, mas da <strong>Geografia</strong> mo<strong>de</strong>rna, ativa, prática, vibrante (CARVALHO, 1929, p. 10-11).<br />
Dificilmente po<strong>de</strong>ríamos encontrar melhor exemplo <strong>de</strong> legitimação do controvertido<br />
pensador alemão.<br />
Delgado <strong>de</strong> Carvalho e a Geopolítica<br />
Paralelamente ao <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho para a <strong>Geografia</strong> política,<br />
no período apontado, são publicados os primeiros estudos <strong>de</strong> Geopolítica no Brasil, 9 escritos<br />
pelo ensaísta Elysio <strong>de</strong> Carvalho (1921), o engenheiro Everardo Backheuser (1926 e<br />
1933) e os militares Mario Travassos (1935) e Francisco <strong>de</strong> Paula Cida<strong>de</strong> (1940). É tentador<br />
enxergar nessa coexistência temporal uma trama <strong>de</strong> influências recíprocas, da qual se<br />
po<strong>de</strong> inferir, como Miyamoto (1981), a vinculação <strong>de</strong> Delgado ao pensamento geopolítico.<br />
Outra maneira <strong>de</strong> se abordar a questão, que aqui propomos, é a <strong>de</strong> examinar a ressonância<br />
das idéias do autor nas obras referidas, procurando enten<strong>de</strong>r como seu mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
<strong>Geografia</strong> serviu <strong>de</strong> orientação para interpretações do Brasil pautadas na interface entre<br />
condições geográficas e ação política do Estado – essência do pensamento Geopolítico.<br />
Nesse sentido, encontramos indicações consistentes da influência <strong>de</strong> Delgado em<br />
Mario Travassos e Francisco <strong>de</strong> Paula Cida<strong>de</strong>. Trata-se, porém, não tanto <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong><br />
política proposta pelo primeiro, mas <strong>de</strong> outros conteúdos da ciência geográfica por ele<br />
<strong>de</strong>senvolvida no período, o que po<strong>de</strong> ser explicado, em certa medida, por problemas<br />
inerentes à própria análise <strong>geopolítica</strong>. Uma das contradições <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> análise é<br />
apresentar pretensões <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong> simultaneamente a propósitos ambiciosos e formas<br />
<strong>de</strong> raciocínio teleológicas. Como conciliar tais ingredientes numa mesma estrutura<br />
lógica, sem comprometer a coerência interna do discurso? Além dos discutíveis encaminhamentos<br />
no nível da argumentação e explicação, bem <strong>de</strong>tectados em algumas<br />
investigações críticas (CAUBET, 1984; VESENTINI, 1986, p. 32-33), 10 tal dilema remete a<br />
uma outra questão, situada no plano empírico. É necessário garantir que os parâmetros<br />
geográficos sobre os quais se organiza o discurso geopolítico sejam os mais precisos,<br />
fi<strong>de</strong>dignos e atualizados possíveis, posto que constituem o principal fundamento da<br />
objetivida<strong>de</strong> pretendida. Para tanto, não parecia haver lugar mais seguro, na época, que<br />
a criteriosa <strong>Geografia</strong> ‘científica’ <strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho.<br />
Este aspecto, que nos interessa particularmente, <strong>de</strong>ve ser examinado com relação<br />
aos dois pensadores geopolíticos apontados. No caso <strong>de</strong> Travassos, o que está em<br />
pauta é a noção <strong>de</strong> região natural, que baliza sua reflexão sobre a estrutura espacial brasileira<br />
(base, segundo ele, da “unida<strong>de</strong> geográfica nacional”). Vejamos como a questão<br />
é colocada pelo autor:<br />
Quando se tem que encarar o problema das regiões naturais sob o ângulo das modalida-<br />
<strong>de</strong>s geográficas brasileiras, cujos aspectos o alongamento <strong>de</strong> nosso território no sentido<br />
dos meridianos complica <strong>de</strong> maneira impressionante, sente-se que, <strong>de</strong> fato, se está em<br />
presença <strong>de</strong> grave problema [...]<br />
9 Consi<strong>de</strong>ramos, nessa classificação, as obras comercializadas no circuito editorial privado, <strong>de</strong>monstrativas tanto do caráter<br />
“publicista” dos autores como da existência <strong>de</strong> leitores interessados no tema em questão. Obviamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito antes,<br />
relatórios oficiais mais ou menos reservados podiam apresentar “conteúdos geopolíticos”, mas não constituíam um campo<br />
<strong>de</strong> formalização do saber reconhecido, após Rudolf Kjellén, como Geopolítica.<br />
10 Os trabalhos apontados chamam a atenção para uma <strong>de</strong>ficiência epistemológica crônica da análise <strong>geopolítica</strong>, manifesta<br />
<strong>de</strong> diversas formas: simplificação excessiva, pretensão universalista (<strong>de</strong>scontextualização), fatalismo, naturalização do Estado,<br />
antropomorfização dos elementos naturais, etc. Po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar em tais aspectos um modo <strong>de</strong> estruturação do<br />
discurso que atua no sentido <strong>de</strong> neutralizar a contradição assinalada.