A Prosa Literária de Orlando da Costa - Universidade Aberta
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encontrou na tese do lusotropicalismo gilbertiano argumentos para ultrapassar a<br />
polémica questão <strong>da</strong> miscigenação. O envolvimento dos homens portugueses com<br />
mulheres dos trópicos per<strong>de</strong>ra o sentido vexatório e, era afinal, uma “capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> portugueses para unir-se aos Trópicos por amor e não apenas por<br />
conveniência”. 40<br />
No Congresso Internacional <strong>de</strong> História dos Descobrimentos, realizado<br />
em Lisboa no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-se essa uni<strong>da</strong><strong>de</strong> entre o Oci<strong>de</strong>nte e<br />
o Oriente sustenta<strong>da</strong> pela miscigenação e interpenetração <strong>de</strong> culturas. Elogioso<br />
para com os portugueses, enumera Gilberto Freyre 41 alguns exemplos <strong>de</strong><br />
assimilação parcial pelos lusitanos: o uso <strong>de</strong> roupas brancas <strong>de</strong> baixo, o banho<br />
diário, o pijama, a camisa por fora <strong>da</strong>s calças. O vínculo entre o sociólogo e<br />
historiógrafo com a política salazarista fez soar vozes opositoras a alguns aspectos<br />
<strong>da</strong>s suas teses.<br />
40 I<strong>de</strong>m, p. 50.<br />
41 I<strong>de</strong>m, p. 35.<br />
No campo político, ao contrário do que suce<strong>de</strong> no campo cultural,<br />
a obra gilbertiana passa quase <strong>de</strong>spercebi<strong>da</strong>, no entanto a única referência<br />
directa (na comunicação <strong>de</strong> Vicente Ferreira no II Congresso <strong>da</strong> União<br />
Nacional) é extremamente <strong>de</strong>sfavorável. Como tentámos <strong>de</strong>monstrar, nos<br />
anos 30 e 40, o projecto <strong>de</strong> «ressurgimento imperial» e <strong>de</strong> afirmação do<br />
«velho e indomável espírito <strong>de</strong> raça» a impor a populações «selvagens», não<br />
se coaduna com a visão culturalista <strong>de</strong> Freyre. Armindo Monteiro e <strong>de</strong>mais<br />
i<strong>de</strong>ólogos do regime partem do postulado <strong>da</strong> inferiori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> «raça» negra e<br />
repudiam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> mestiçagem e <strong>de</strong> interpenetração <strong>de</strong> culturas no império<br />
português.<br />
Registe-se contudo que Norton <strong>de</strong> Matos, do lado <strong>da</strong> oposição,<br />
também rejeita a doutrina luso-tropicalista. […]<br />
Nos pós II Guerra- Mundial, criam-se condições para a mu<strong>da</strong>nça<br />
<strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> dos políticos do regime em relação às i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Gilberto Freyre.<br />
[…]<br />
Era preciso convencer o mundo <strong>da</strong> natureza especial <strong>da</strong><br />
colonização lusitana, <strong>da</strong> ausência <strong>de</strong> racismo nas províncias ultramarinas<br />
portuguesas, <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s multirraciais perfeitamente<br />
integra<strong>da</strong>s no todo nacional.<br />
O relacionamento do regime com o luso-tropicalismo está,<br />
portanto, intimamente ligado à evolução <strong>da</strong> sua política colonial e,<br />
consequentemente, <strong>da</strong> sua política externa. A doutrina gilbertiana serviu,<br />
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