A Prosa Literária de Orlando da Costa - Universidade Aberta
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A luta pela sobrevivência ocupa o quotidiano dos curumbins sem<br />
alcançarem uma libertação. Aconteceu a Coinção, <strong>de</strong>pois a Natel, servas na casa<br />
<strong>de</strong> bab Ligôr, um indivíduo sem escrúpulos que se certificava ser ele o primeiro<br />
homem a se <strong>de</strong>itar com as suas cria<strong>da</strong>s. Os actos impunes <strong>de</strong> “géli<strong>da</strong> violência” <strong>de</strong><br />
bab Ligôr acomunados ao direito <strong>de</strong> perna<strong>da</strong> 76 ou, a matar um criado, enfrentam o<br />
antagonismo <strong>da</strong> ostensão cristã: “No peito, sobre os pêlos duros e grisalhos,<br />
brilhava um cordão <strong>de</strong> ouro com uma cruz e um escapulário ensopado em suor”<br />
(OSDI, p.130).<br />
O trágico final <strong>da</strong> manducar Coinção estabelece, no plano simbólico,<br />
uma relação <strong>de</strong> tipo traumático com o presente. A sua morte parece concretizar<br />
um presságio que nunca se <strong>de</strong>sviara do seu caminho, “a sua estrela é páli<strong>da</strong>, o seu<br />
<strong>de</strong>stino amargo para uma rapariga <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>la” (OSDI, p. 13). A morte como<br />
elemento psicanalítico funciona como forma <strong>de</strong> auto-reflexão diante o<br />
<strong>de</strong>finhamento social e económico <strong>da</strong> população goesa. Duas personagens<br />
<strong>de</strong>senvolvem uma consciência social <strong>de</strong> revolta em confluência pela injustiça e<br />
pelos <strong>de</strong>safios á autori<strong>da</strong><strong>de</strong>: a curumbina atreve-se a <strong>de</strong>safiar a autori<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
batcar na <strong>de</strong>fesa do povo <strong>da</strong> sua casta, uma oposição às concepções históricas <strong>de</strong><br />
submissão numa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que era preciso contrariar, já sem vigor ou firmeza<br />
histórica para continuar por muito mais tempo; o sol<strong>da</strong>do português assume uma<br />
significação <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>, como se um traço <strong>da</strong> História se atravessasse entre goeses e<br />
portugueses para suscitar intimi<strong>da</strong><strong>de</strong>s oprimi<strong>da</strong>s pelo colonialismo. O amor <strong>de</strong><br />
Natel pelo sol<strong>da</strong>do acaba por afastá-la do seu povo, refugiando-se na casa <strong>de</strong> bab<br />
Ligôr e recusando o casamento.<br />
A presença militar portuguesa legitimava-se pela <strong>de</strong>fesa do território,<br />
embora também represente o sacrifício involuntário, quantas vezes <strong>da</strong> própria<br />
vi<strong>da</strong>. Entre as personagens apenas Natel acredita que nem todos esses sol<strong>da</strong>dos<br />
são maus perspectivando uma esperança <strong>de</strong> dilecção entre os dois povos. A<br />
simbologia do triângulo amoroso, Bostian, Natel e o sol<strong>da</strong>do português, encerra o<br />
76 Direito do senhor em passar a primeira noite com uma serva pura.<br />
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