A Prosa Literária de Orlando da Costa - Universidade Aberta
A Prosa Literária de Orlando da Costa - Universidade Aberta
A Prosa Literária de Orlando da Costa - Universidade Aberta
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
acontecimentos históricos, ao nível <strong>da</strong> diegese corre em paralelo ao” tempo<br />
privado” <strong>da</strong>s principais personagens. 85<br />
A <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> psicológica <strong>da</strong>s personagens permeabiliza virtuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />
umas mais, outras menos cépticas, permitem-lhes recuperar os seus trajectos pelo<br />
alívio que causam nas suas tensões e consciências. Além <strong>de</strong> uma preocupação<br />
estilística, o escritor conferiu ao realismo maravilhoso verosimilhança, pela<br />
naturali<strong>da</strong><strong>de</strong> e frequência <strong>da</strong> sua presença no quotidiano <strong>da</strong>s personagens.<br />
A casuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Manú Miran<strong>da</strong> e Xricanta terem nascido no mesmo dia e<br />
na mesma hora era uma coincidência estranha. Rosária explicava o sucedido como<br />
uma pre<strong>de</strong>stinação, as crianças estavam <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s a serem gémeas não fosse a<br />
intervenção do <strong>de</strong>mónio, o “<strong>de</strong>ussar”. O facto <strong>de</strong> serem “gémeas” é a<br />
metaforização <strong>de</strong> “mundos opostos”, ain<strong>da</strong> que se comportem como irmãos e<br />
falem entre si em concanim. Xricanta, hindu fala concanim e marata, estu<strong>da</strong> numa<br />
escola diferente sentado no chão. Manú Miran<strong>da</strong> é cristão, baptizado, fala também<br />
português. Outro exemplo é o episódio do Sarampo. Todos <strong>de</strong>sconheciam como<br />
os dois rapazes adoeceram em simultâneo. Rosária lançou o prognóstico ao ser<br />
conheci<strong>da</strong> a <strong>de</strong>bili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Manú – só po<strong>de</strong>ria ser sarampo tal como estava a<br />
suce<strong>de</strong>r com Xricanta. Entre os médicos surgiram algumas teorias para o sucedido<br />
por falta <strong>de</strong> explicações científicas. O doutor Aniceto Condorcet Pereira preferia<br />
acreditar na teoria do hipnotismo sommeil luci<strong>de</strong>, do aba<strong>de</strong> Faria. Afinal a<br />
estranha coincidência, po<strong>de</strong>ria surgir por algo parecido a libertação <strong>de</strong> energias.<br />
Além <strong>da</strong> doença, também o nascimento e a morte são factos reais do<br />
quotidiano natural, sujeitos a conjecturas sobrenaturais por razões culturais ou<br />
sociais. Rosária pertence a uma classe humil<strong>de</strong> não receia, pela sua simplici<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
expor as suas opiniões e crenças. O padre, os médicos ou a família Miran<strong>da</strong><br />
repudiam as crenças <strong>da</strong> manducar sem no entanto encontrarem respostas <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />
sua racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
85 Vale, op. cit., p. 303.<br />
49