125ativida<strong>de</strong>s cotidianas, bem como o interesse por este ¨outro pensamento¨,que se torna evi<strong>de</strong>nte (e po<strong>de</strong>ríamos dizer que ¨<strong>de</strong>sperta a curiosida<strong>de</strong>, trazquestões, propõe jogo¨). Knébel aponta para um mecanismo <strong>de</strong> transferênciada atenção (a alternância do foco) entre duas elaborações verbais.De certa forma, o princípio da subpartitura que inscrevemos comQuarteto é o mesmo. No entanto, a inscrição <strong>de</strong> um corpo ¨cotidiano¨ contacom ¨outras regras¨: gestos pequenos, pouca ativida<strong>de</strong> externa, abstração doambiente. O ator treina (repete, exercita) a inscrição <strong>de</strong> um corpo que é estenosso que cotidianamente carregamos: uma inscrição on<strong>de</strong> elementos secombinam <strong>de</strong> maneira que a modificação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les altera a resultante.Com Quarteto, colocamos em jogo fazer gestos gran<strong>de</strong>s e ocupartodo o espaço. Instantaneamente o repertório constituído em processo (compartituras físicas transformadas) foi presentificado para auxiliar a resoluçãodo problema. Neste sentido, a resolução cênica implicou certa mescla, certohibridismo no que diz respeito a um significante importante na linguagemteatral: a construção do chamado ¨corpo extra-cotidiano¨. O teatro constróisignificantes que lhe são próprios: ¨contra-ação¨, ¨efeito <strong>de</strong> estranhamento¨,¨teatralização¨, ¨corpo extra-cotidiano¨, etc. Segundo Barba, estas idéias sãosuporte, são subpartitura. Treinamos partituras físicas que escapavam aoregistro cotidiano. Trabalhamos com certa estilização do corpo. Ao mesmotempo, o princípio da divisão do foco inscreveu, em cena, ¨pensamento¨, e ointeresse <strong>de</strong> alguém por algo: <strong>de</strong> Merteuil (mulher) por Valmont (homem).Estava implicada a idéia <strong>de</strong> humano, <strong>de</strong> pessoa, na nossa subpartitura.O ¨<strong>de</strong>talhe¨ se <strong>de</strong>fine para Jakobson como instância <strong>de</strong> umprocesso metonímico e, como metonímia, é propriamente o que articula
126¨contexto¨. Ele cita o exemplo do suicídio <strong>de</strong> Anna Karenina (Tólstói seconcentra na bolsa da heroína) e Guerra e Paz (as <strong>de</strong>scrições do lábiosuperior e os ombros nús) (*). O uso da metonímia em <strong>de</strong>trimento dametáfora implica, para Jakbson, um cinema e uma literatura <strong>de</strong> tendênciarealista.No que diz respeito ao trabalho do ator e a inscrição do seu corpoem cena, o ¨<strong>de</strong>talhe¨ po<strong>de</strong> ser problematizado. Ao realizar pesquisa comtexto <strong>de</strong> Maeterlinck, Stanislavski inscreve o registro cotidiano sem implicar oRealismo (*). Isto nos faz pensar que instâncias específicas da encenaçãoimplicam, para o ator, o manejo <strong>de</strong> elementos específicos na subpartitura. Ainscrição <strong>de</strong> comportamentos cotidianos, por exemplo, po<strong>de</strong> não estarveiculada `a estética realista, assim como é possível um corpo híbrido. Istonos faz pensar que a exigência <strong>de</strong> uma inscrição da personagem, da idéia <strong>de</strong>realida<strong>de</strong>, da idéia <strong>de</strong> cotidiano, espontaneida<strong>de</strong>, crítica, etc, implicamelementos distintos para um jogo <strong>de</strong> composição da subpartitura. O quequero dizer é que percebo um campo <strong>de</strong> pesquisa com a subpartitura que<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da composição, da combinação e oposição <strong>de</strong> elementos. Gostaria<strong>de</strong> finalizar com isto: a perspectiva da inscrição cênica <strong>de</strong> um corpo a partir_______________________(*) JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 19-?, pg. 57.(**) O termo realismo assumiu na filosofia sentidos bastante diversos (ver ABBAGNANO,Nicola. Dicionário <strong>de</strong> Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2007). Na literatura, <strong>de</strong>signa omovimento que surge, no século XIX, em reação ao Romantismo (com a publicação <strong>de</strong>Madame Bovary, <strong>de</strong> Gustave Flaubert em 1957). A proposta era retratar a ¨realida<strong>de</strong>¨, as¨pessoas¨ (substituindo, então, a subjetivida<strong>de</strong> romântica por uma visão fiel e objetiva domundo). No teatro o termo assume particularida<strong>de</strong>s. Segundo Pavis, ¨o realismo nem semprese distingue com clareza da ilusão ou do naturalismo. Esses rótulos têm em comum avonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> duplicar a realida<strong>de</strong> através da cena, imitá-la da maneira mais fiel possível. Omeio cênico é reconstituído <strong>de</strong> modo a enganar sobre sua realida<strong>de</strong>. Os diálogos se inspiramnos discursos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada época ou classe socioprofissional. O jogo do ator torna o textonatural ao máximo, reduzindo os efeitos literários e retóricos pela ênfase na espontaneida<strong>de</strong>e na psicologia. Assim, paradoxalmente, para fazer verda<strong>de</strong>iro o real, é necessário sabermanipular o artifício: ˙Fazer verda<strong>de</strong>iro consiste, portanto, em dar a ilusão completa doverda<strong>de</strong>iro (…). Daí concluo que os realistas <strong>de</strong> talento <strong>de</strong>veriam se chamar, maispropriamente, ilusionistas˙ (MAUPASSANT)¨ (PAVIS, i<strong>de</strong>m: 325-226).