19texto era introduzido em cena sem vínculos. Em jogo, ao combinar-se com ocorpo, os vínculos eram construídos. Em 1997 me <strong>de</strong>parei com uma espécie<strong>de</strong> sistematização <strong>de</strong>ste procedimento. Utilizado por atores da FondazionePonte<strong>de</strong>ra Teatro (*) na criação <strong>de</strong> seus espetáculos, a Memorização Atravésda Escrita vinha sendo difundida por Cacá Carvalho, François Khan eHumberto Brevilheri (em trabalhos com grupos <strong>de</strong> teatro, cursos emuniversida<strong>de</strong>s e festivais, workshops, oficinas). <strong>Um</strong>a formalização chegou atémim via François Khan.MEMORIZAÇÃO ATRAVÉS DA ESCRITA1) Escrever o texto:- Frase por frase.- Olhar no original, corrigir e re-escrever corretamente.2) Pensar o texto:- Ler o texto e pensar o texto com os olhos fechados.- Pensar o texto com os olhos abertos fazendo uma ação concreta.Obs: Não fixar a interpretação quando ler o texto.Há <strong>de</strong>z anos, em formação na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, tiveacesso a sistemáticas específicas para uma pedagogia do teatro e para umapedagogia do ator. Não as via como dicotômicas. Ao contrário, percebia umapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intersecção. <strong>Um</strong>a intersecção que implica a seleção, orecorte, em função <strong>de</strong> um objeto específico <strong>de</strong> investigação: a prática com aMemorização Através da Escrita para o processo <strong>de</strong> apropriação do textocomo jogo. Não procurei dar conta, portanto, dos sistemas implicados, não_____________________(*) On<strong>de</strong> está situado o Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards. A FondazionePonte<strong>de</strong>ra Teatro é dirigida por Roberto Bacci.
20me ative `as problemáticas <strong>de</strong> sua difusão e historicida<strong>de</strong>. Propús, apenas,buscar, em minha própria vivência, o que po<strong>de</strong>ria ser validado para a criaçãoda fala como jogo e da sua inscrição como impulso e elemento que evoca(junto ao corpo) a ação.O Treinamento Físico para o Ator era uma prática minuciosa,sistematizada, e foi <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância em minha formação. A questão <strong>de</strong>como introduzir o corpo em cena era absolutamente problemática. O contatocom a imensidão do espaço, com o enigma da presença do outro, com o seuolhar, tudo isto intimidava. O corpo se retraia, contorcia, trazia repertórios¨batizados¨. Este era um lugar absolutamente experimentado pelos queestavam em cena. Bastava estarmos diante do ¨olhar que nos recorta¨,¨inva<strong>de</strong>¨, para a unida<strong>de</strong> do corpo se per<strong>de</strong>r. Até que algo fosse construído acena era o lugar do vazio (*), <strong>de</strong> maneira que o que era construído ¨voltava¨.Viola Spolin sistematiza um exercício belíssimo, o primeiro <strong>de</strong> seu¨fichário¨, chamado Exposição (**). O experimentei, também, com alunos. Ocorpo sucumbe `a timi<strong>de</strong>z, ao medo, ao susto, ao vazio, até que algo sejaconstruído: uma imagem, um pensamento, um foco. Quando Spolin oferece ofoco - ¨contar ca<strong>de</strong>iras¨, por exemplo (simplesmente contar as ca<strong>de</strong>iras doespaço) - o corpo se organiza. É preciso um foco. Diante do olhar externo aorganicida<strong>de</strong> ¨pula¨. Não é preciso tanto para estar orgânico, portanto, bastao olhar do outro. No entanto, não sabemos o que fazer com o ¨excesso¨.____________________(*) Encenadores-pedagogos muitas vezes lançam mão da noção <strong>de</strong> ¨vazio¨. No Brasil temoso exemplo <strong>de</strong> Antunes Filho (participei das suas pesquisas nos anos <strong>de</strong> 1993 e 1994), quelança mão da filosofia taoísta. A idéia <strong>de</strong> que algo da or<strong>de</strong>m do pulsional precisa serorganizado em função do foco e elaborado em termos <strong>de</strong> ação física po<strong>de</strong> ser utilizada comcerta tranqüilida<strong>de</strong> pois é algo profundamente vivenciado na prática.(**) SPOLIN, Viola. <strong>Jogo</strong>s Teatrais: O Fichário <strong>de</strong> Viola Spolin. São Paulo: Perspectiva, 2000,jogo A1. Permanecer durante um bom tempo sozinho em cena olhando para as pessoas naplatéia sem um foco <strong>de</strong>finido.