11.07.2015 Views

APROPRIAÇÃO DE TEXTO: Um Jogo de Imagens - ECA-USP

APROPRIAÇÃO DE TEXTO: Um Jogo de Imagens - ECA-USP

APROPRIAÇÃO DE TEXTO: Um Jogo de Imagens - ECA-USP

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

32pelos personagens <strong>de</strong> Laclos, mas dos ¨números¨ que serão encenados poreles com os papéis trocados, <strong>de</strong> maneira que os dois contextos se articulam).Os homens estão em guerra. Há apenas a <strong>de</strong>vastação: um cenáriopropício, pois as mulheres ficam sós. Merteuil e Valmont concretizam osplanos <strong>de</strong> vingança. As duas mulheres são <strong>de</strong>struídas. Valmont interpretaTurvel enquanto Merteuil assume o personagem masculino. Depois, Merteuilvive Volange enquanto Valmont a seduz e mata. Turvel (encenada porValmont), que se ren<strong>de</strong>ra a Valmont (Merteuil), se suicida._____________________Valmont. Eu dava por acabada sua paixão por mim. Qual a origem<strong>de</strong>ste repentino recru<strong>de</strong>scer? E com tanta força juvenil! Tar<strong>de</strong><strong>de</strong>mais, porém. Não conseguirá mais inflamar meu coração. Nemmais uma vez. Nunca mais. Não lhe digo isso sem pesar, Valmont.Mesmo assim houve minutos, talvez <strong>de</strong>vesse dizer momentos. <strong>Um</strong>minuto, isso é uma eternida<strong>de</strong> em que me senti feliz, graças a suacompanhia. Estou falando <strong>de</strong> mim, Valmont. O que sei <strong>de</strong> seussentimentos? E talvez fosse melhor falar <strong>de</strong> minutos nos quais pu<strong>de</strong>usá-lo. Isto é, a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com a minha fisiologia, <strong>de</strong>sentir alguma coisa que na memória, parece-me um sentimento <strong>de</strong>felicida<strong>de</strong>. Não esqueceu como tratar esta máquina. Não retira suamão. Não que eu sinta alguma coisa por você. É minha pele que selembra. Ou talvez seja a sua, estou falando da minha pele, Valmont,e simplesmente tanto faz para ela <strong>de</strong> que modo, em que animal,esta fixado o instrumento <strong>de</strong> sua volúpia, mão ou garra? Quandofecho os olhos, você é bonito, Valmont. Ou corcunda, se eu <strong>de</strong>sejar.O privilégio dos cegos. Você tem mais sorte no amor. A comédiados sintomas lhe é poupada: você vê o que quer ver. O i<strong>de</strong>al seriaser cego e surdo-mudo. A paixão das rochas. Eu te assustei,Valmont? Como você é fácil <strong>de</strong> <strong>de</strong>sanimar. Não o conhecia assim.As damas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mim lhe <strong>de</strong>ixaram mágoas? Lágrimas? Seráque você tem coração, Valmont? Des<strong>de</strong> quando? Ou será que suavirilida<strong>de</strong> estragou com minhas sucessoras? Seu hálito tem sabor<strong>de</strong> solidão. A sucessora <strong>de</strong> minha sucessora te mandou passear? Oamante abandonado. Não. Não retire sua terna oferta, meu senhor.Eu cumpro. Eu cumpro, em todo caso. Não há sentimentos paratemer. Por que <strong>de</strong>veria te odiar? Nunca te amei... Rocemos nossaspeles uma na outra. Ah, a escravidão dos corpos! O martírio <strong>de</strong>viver e não ser Deus. Ter uma consciência e nenhum po<strong>de</strong>r sobre amatéria. Não se precipite, Valmont. Assim está bem. Sim, sim, sim,sim. Isto foi bem encenado, não? O prazer do meu corpo não meinteressa, não sou nenhuma criada <strong>de</strong> estábulo. Meu cérebrotrabalha normalmente. Estou completamente fria, Valmont. Minhavida, minha morte, meu amado. (1)1. MÜLLER, Heiner. Quatro Textos para Teatro: Mauser, Hamlet-máquina, A Missão,Quarteto. São Paulo: Hucitec, 1987, pg. 59. Primeiro fragmento <strong>de</strong> Quarteto.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!