19730 Sexta-feira 17 DIÁRIO DQ CONGRES_Sq NACIONAL (Seção I) Setembro de 1993. .A SRA. LUCI CHOINACKI (PT - SC. Sem revisãoda oradora.) - Sr. Presidente, Sr·' e Srs. Deputa<strong>dos</strong>, o nossopartido, o Partido <strong>dos</strong> Trabalhadores, tem uma posição contraa revisão constitucional, porque entendemos que a Constituiçãobrasileira de 1988, naquilo que mais interessa ao povobrasileiro, ainda não foi regulamentada. Rever uma Constituiçãoque não se conhece é temerário, é desrespeitoso paracom o povo brasileiro. Este Congresso não pode fazer revisão,pois os direitos sociais, as conquistas importantes ainda nãosão conheci<strong>dos</strong> na prática. Precisamos regulamentar a Constituição,dar praticidade à sua essência e fazê-la conhecida dapopulação brasileira. Mais de 80% <strong>dos</strong> seus dispositivos nãoforam regulamenta<strong>dos</strong>. Cada vez mais estamos conscientesde que a população e as entidades se mobilizarão e formarãouma posição contra a revisão.Não fomos eleitos pararever a Constituição; fomos eleitospara regulamentar a Constituição! Entendemos que é precisoque esta Casa reconheça os direitos, os regulamente e dêcondições para que a Constituição funcione na prática.Nós, do Partido <strong>dos</strong> Trabalhadores, entendemos que nãopodemos fazer mudanças. O aperfeiçoamento da democraciano País pode ser feito sem a tal da revisão.Entendemos que é importante, neste momento de criseem que vivem os trabalhadores e o povo brasileiro, que aprofundemosa democracia, os direitos e que não entremos nodiscurso de que a Constituição brasileira é atraso para o País.Atraso é esse modelo econômico, é o Governo que não temcrédito, é a corrupção, é a falta de política para resolveros problemas do povo brasileiro! Não é a Constituição problemapara o Governo. O problema do País é a falta de umgoverno sério, que pense numa saída para o País. Por trásda revisão constitucional, quando se diz que a Constituiçãoé atrasada, que não tem nada de moderno, está o jogo parase acabar com o Estado brasileiro, privatizando-se a Saúde,a Previdência Social, entregando-se nossas empresas ao capitalinternacional. E cada vez mais o Estado ficará sem poderpara resolver os graves problemas sociais e econômicos quea população está vivendo neste País.Esse é o discurso que está escondido por trás da revisão,<strong>dos</strong> que a defendem e até hoje não têm posição clara a seurespeito. Na verdade, querem passar o rolo compressor, adequandoa Constituição brasileira ao projeto que está esmagandoo povo. acabando com a Saúde, com a Previdência,com a Educação deste País, com aquilo que é o papel fundamentaldo Estado: intervir para melhorar esses setores. Amaior parte da população brasileira está desprotegida, porqueo Estado não tem uma política para protegê-la, para fazercom que esses setores se desenvolvam, cresçam, resgatando,portanto, a cidadania neste País.Esta a minha posição política em defesa da não-revisão.Quero referir-me também às declarações que desta tribunasão feitas, dado o desespero político pelo crescimento dacandidatura do Lula. Algumas declarações são tiradas de umcontexto e levadas para outro cenário. Há desespero políticoporque a Caravana da Cidadania está dando certo. O povoestá discutindo, debatendo seus problemas, está questionandoos Deputa<strong>dos</strong>, sua posição política. Quer saber a posição decada um em defesa do5. trabalhadores, em defesa deste País.Este o questionamento que a população brasileira está fazendo.O povo brasileiro não vai ficar sempre de olhos tapa<strong>dos</strong>.Quer <strong>dos</strong> Deputa<strong>dos</strong>, que recebem o seu voto na urna, aefetivação daquele compromisso de palanque, que nem sempreé levado a sério. Exemplo disso são os cinco anos doSarney, a política salarial, as votações frustrantes que muitasvezes são feitas nesta Casa, a própria Constituição que aindanão foi regulamentada. Nós, Parlamentares, temos que melhorarmuito a nossa prática neste Congresso, para que resgatemoso crédito do povo nos políticos, resgatemos, enfim, nossaverdadeira cidadania. A postura desta Casa, que vejo complicada,muitas vezes é a de esconder uma prática política quenão serve aos interesses do País.o SR. NILMÁRIO MIRANDA (PT - MG. Sem revisãodo orador.) - Sr. Presidente, Sr" e Srs. Deputa<strong>dos</strong>, recebemosa visita de representantes das nações indígenas, que vieramaqui se manifestar contra a revisão constitucional - aConstituição estabelece o prazo de 5 de outubro para o seuinício - pedindo a demarcação das 236 áreas q~e ainda faltamser demarcadas e a aprovação do Estatuto do Indio, que tramitalentamente nesta Casa.Sr. Presidente, queria relatar, rapidamente, que o..peputadoJosé Cicote e eu estivemos em Mato Grosso do Sul,na 2· e 3· feiras. O Deputado Jose Cicote coordena a Subcomissãode Trabalhos Força<strong>dos</strong>, na Comissão de Trabalho,de Administração e Serviço Público. Fomos à usina Debrasa,em Brasilândia, e encontramos 1.370 indígenas sendo usa<strong>dos</strong>como mão-de-obra barata por aquela destilaria. A partir deum contrato autorizado pela própria Funai - o que é espantoso- eles trabalham sem encargos sociais, moram em alojamentosabsolutamente indignos, comem comida pouca, depéssima qualidade, muitas vezes estragada, e ainda têm descontosgrandes em seus salários.Nós, o Deputado José Cicote e eu, já tínhamos encaminhadoà Procuradoria-Geral da República uma representaçãocontra a Funai, quesrionando esse tipo de contrato. Mas asituação <strong>dos</strong> demais trabalhadores não é diferente da <strong>dos</strong> indígenas.Conversamos com os demais trabalhadores, inclusivecom setenta deles vin<strong>dos</strong> do Paraná, que estão reduzi<strong>dos</strong> acondição análoga à do trabalhador escravo, porque foramcontrata<strong>dos</strong> por um salário que não recebem e condições quenão encontraram. Moram em alojamentos tambémde péssimaqualidade. Têm desconto até de campo de futebol; descontode água - não têmbanheiros, nem água encanada e tomambanho no rio - e também de adiantamentos que não receberam.E essa situação no Brasil está-se generalizando, querdizer, aproveita-se da situação de 30 milhões de brasileirosque vivem na indigência, na miséria. Há pessoas, empresáriosinescrupulosos que estão recrutando, aliciando mão-de-obrapara submetê-la a uma superexploração - no caso <strong>dos</strong> indígenasautorizada pela Funai.Hoje também falei com o atual Presidente da Funai, pedindo-lheque cancele esse tipo de contrato vergonhoso.No dia seguinte, fomos a Ribas do Rio Pardo. Se a situaçãoem Brasilândia já era preocupante, a de Ribas do RioPardo é simplesmente aterradora. Trata-se de maciços florestaisabandona<strong>dos</strong>, que seus donos estão arrendando para carvoariasque produzem para as siderúrgicas de Minas Geraise de São Paulo. Ali encontrei pessoas de diversos Esta<strong>dos</strong>do País, trabalhando há um ano sem receber um centavosequer conversamos com o empreiteiro, o preposto da empresaque explora essas pessoas na condição de escravidão, eele disse que quem devía à empresa era o trabalhador. Existemmilhares de casos desse tipo. Há cerca de 8 mil pessoas nessacondição dentro dessas carvoarias em Ribas do Rio Pardo,
Setembro de 1993 DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL (Seção I) Sexta-feira 17 19731Três. L~goas e Navirai. Inclusive, fomos acompanhando umacomlssao permanente de fiscalização de carvoarias e destilarias,coo.rdenada pela Delegacia Regional do Trabalho, juntocom entidades da sociedade civil, o Governo do Estado eorganizações de trabalhadores.A propósito disso, Sr. Presidente, como tenho viagemmarcada para daqui a pouco e não posso esperar pelo momentoda Ordem do Dia, queria aproveitar para encaminhara ':I. Ex' uma série de requerimentos que o Deputado JoséCtcote e eu estamos fazendo para pedir informações ao Governosobre esses fatos.Por e~emplo, queremos que a Funai envie cópia dessecontrato feito com empresas para fornecer mão-de-obra indígena,sem os direitos trabalhistas, discriminando-os <strong>dos</strong> cida~ãos brasileiros. Estamos enviando também requerimento demformações ao Ministro Fernando Henrique Car<strong>dos</strong>o parasaber o que está sendo feito das multas cobradas pelas DRTsa essas empresas que utilizam trabalho escravo ou semi-escravoe têm sido multadas várias vezes por falta de registro.?u~remos saber se, elas estão pagando as multas e o quee feito delas. Tambem queremos saber se o Banco do Brasilconcede algum tipo de empréstimo, subsídio ou incentivo aempresas que se utilizam do trabalho escravo ou semi-escravo.Também estamos pedindo informações ao Sr. Ministro daPrevidê~cia sobre a situação dessas empresas, destilarias e~rv~anas ?o Mato Grosso do Sul, no que se refere à PrevidenclaSoclal e ao Fundo de Garantia. Não é possível queo Estado, através do Ministério do Trabalho. por um ladová mult~r e~pres~s _que degradam o ser humano a pontode ~eduzl-lo a condlçao de escravos e, por outro lado, o Minist~nodaFazenda esteja fornecendo crédito, subsídio ou incentlVOa essas empresas. Isso não nos parece justo, nem regular.Quero remeter esses documentos a V. Ex'Finalmente, requeiro que as reportagens <strong>dos</strong> jornais Folhade S. Paulo e O Estado de S. Paulo de hoje, sobre oassunt~ destilarias e carvoarias do Mato Grosso do Sul, sejamtranscntas nos Anais desta Casa, pela importância de quese revestem.REPORTAGENS A QUE SE REFERE O ORADOR:EMPRESA É MULTADA PORALICIAR GRUPOS DE ÍNDIOSBrasília - A Destilaria Brasilândia S.A. (DEBRASA),em Mato Grosso do Sul, recebeu uma multa inédita de CR$34~ilhões na história do trabalhismo brasileiro pela contrataçãoIrregular de 1.370 índios para trabalhos temporários em seuscanaviais. Uma fiscalização da Delegacia Regional do Trabalhono Estado, na segunda-feira e terça-feira, constatou apresença de grupos de índios terenas, caiovás e guaranis naempr~sa, além de centenas de crianças, contratadas para turnos~lUrnos e .noturnos de 12 horas. A DRT determinou queas cnanças sejam mandadas de volta às reservas.Pela primeira vez, é aplicado o art. 14 do Estatuto doÍndio, que estabelece não haver distinção entre os trabalhadoresindígenas e demais trabalhadores. Na Debrasa os índiosrealizam o corte da cana, vivem em condições s~bumanase são explora<strong>dos</strong> por um aliciador, que fiscaliza a produção.Em busca de mão-de-obra barata, as destilarias e carvoarias~e ~ato Gro~so do ~ul contratam irregularmente crianças,mdlOs e famílias de mlgrantes para o trabalho mais pesado.CONDIÇÕES SÃO PRECÁRIAS .Brasília - Liaeradas pelo índio Getúlio Manoel, 55 criançasdo grupo indígena caigangue, com idades entre 10 e 16anos, trabalham durante a noite na Destilaria Brasilândia(DEBRASA), em Mato Grosso do Sul, recolhendo restosda cana cortada de dia. O grupo foi trazido do Paraná. Musculosos,apesar da pouca idade, os índios só falam com estranhosse o líder Getúlio permite. "Ele é o cabeçante", explica umd~s t~abalhadores. Nos 11.800 hectares de cana da empresa,ha cnanças de todas as idades trabalhando dia e noite, emturnos de 12 horas... A figura do "cabeçante" significa o "gato" do índio, oaliCiador da mão-de-obra. O "cabeçante" está sempre junto<strong>dos</strong> grupos de índios, principalmente <strong>dos</strong> menores e embolsa15% do salário pago pela empresa de acordo com ~ produção.Oíndio caiová Julinho tem dificuldade para falar porque estácom 'p~~blem~s respiratórios. "Aqui está dando muita pneumoma, explica um trabalhador. Mesmo assim, ele continuacortando cana, sob os olhos severos do "cabeçante" AntônioGomes. Para ganhar um salário de CR$3 mil por mês Julinhotemde cortar, por dia, pelo menos sete ruas de can~.No alojamento, as crianças caigangues ficam amontoadasem beliches imun<strong>dos</strong> e dormem de dia em pequenas espumasrasgadas e cobertas de moscas. Os outros índios menores deidade dormem à noite, depois de uma jornada de 12 horasn,?s canaviais. Alguns jogam bola no campo em frente, mastem de pagar uma taxa pelo lazer. A água do rio tambémé_descontada pela Brasilândia, segundo comprovou a ComissaoPermanente de Investigação e Fiscalização das condiçõesde trabalho nas carvoarias e destilarias do Mato Grosso doSul, dur~n_te a insp~ção que fez na segunda-feira na empresa.As condlçoes de ahmentação também são precárias. Um <strong>dos</strong>200 trabalhadores paranaenses que há três meses trabalhana destilaria disse que a comida das duas primeiras semanassempre provoca diarréia. "Depois eles acostumam."Anildo Martins, de 13 anos, prefere não conversar. Recebesinais ~o :'cabeçante" para guardar o facão e seguir adiante,~mo ~o om~us que os conduzirá até') alojamento. "A gentenao sal daqUI nem um dia; no sábado trabalha e no domingolava roupa", conta o guarani Virgílio Ferreira, 14 anos.COMISSÃO DEVERÁ APURAR DENÚNCIASBrasília - O Secretário das Relações do Trabalho doMinistério do Trabalho, José Luiz Ricca, anunciou a criaçãode uma comissão para acompanhar de forma permanente asdenúncias de trabalho escravo e trabalho forçado em todoo País. Ricca participou da visita à carvoaria da Fazenda BoaAguada, junto com o grupo instituído para fiscalizar denúnciasde trabalho escravo na região de Mato Grosso do Sul a ComissãoPermanente de Investigação e Fiscalização das Condiçõesde Trabalho nas Carvoarias e Destilarias do Estado.Formada pela De~egacia ~egional do Trabalho e por umgrupo de ONG, Igreja, MOVimento de Meninos de Rua eComissão <strong>dos</strong> Direitos Humanos, a comissão já visitou duasdestilarias e três carvoarias na região. (E.P.)FAMÍLIAS INTEIRASTRABALHAM SEMRECEBER SALÁRIOBrasília - Escondida por uma nuvem de fumaça quetorna o ar irrespirável, imunda por causa do carvão, a família