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De banho tomado e vestida passou algum tempo tentando fazer com <strong>que</strong> seu novo e-mail<br />
funcionasse no laptop. Em francês, por<strong>que</strong> não conseguia descobrir como mudar o idioma<br />
padrão do computador. Ela normalmente tinha pessoal técnico para esse tipo de coisa.<br />
Por fim, acessou o grande volume de mensagens pelo telefone, incluindo a<strong>que</strong>la na qual<br />
pedia à sua equipe técnica <strong>que</strong> lhe enviasse, durante a noite, uma nova configuração em língua<br />
inglesa para o computador.<br />
Vencida pela fome, saiu do apartamento. Mesmo ela não poderia viver de <strong>chocolate</strong> para<br />
sempre. Começou, porém, a sentir-se mal.<br />
Inspirada pela festa dos estudantes, e também pelo fato de <strong>que</strong> um ladrão de <strong>chocolate</strong><br />
deveria ter um determinado código para o vestuário, vestiu uma calça estampada de renda e<br />
pegou uma túnica de malha cinza menor do <strong>que</strong> a ja<strong>que</strong>ta de couro <strong>que</strong> havia vestido por cima.<br />
Botas de couro grandes e de cano longo, e brincos enormes de lápis-lazúli, completavam o<br />
conjunto; o cabelo estava levantado de maneira <strong>que</strong> deixasse os brincos à mostra.<br />
Quando ela fechou a porta do apartamento atrás de si, seus dedos bateram em algo.<br />
Tratava-se de um saquinho pendurado na maçaneta, amarrado com uma fita <strong>que</strong> continha uma<br />
versão em miniatura da marca SYLVAIN MARQUIS.<br />
Seu coração disparou. Sua respiração ficou curta, as coxas tensas e uma sensação<br />
percorreu todas as suas zonas erógenas, como se ela tivesse acabado de vê-lo pessoalmente,<br />
parado, perto da porta do apartamento.<br />
Pegou o saquinho e ficou segurando ele por muito tempo na mão, antes de abri-lo, com<br />
todo o cuidado do mundo. Obviamente era um lindo <strong>chocolate</strong>. A forma era nova, nada <strong>que</strong> ela<br />
já tivesse visto entre os <strong>chocolate</strong>s feitos por ele. Era meio <strong>que</strong> redondo, com uma onda e uma<br />
sutil elevação, dando-lhe a sensação do trabalho de um artista e não de uma máquina. O<br />
exterior era totalmente preto, ou quase; não havia como distinguir por causa da iluminação<br />
deficiente do patamar.<br />
Ela olhou para o <strong>chocolate</strong> por muito tempo. Talvez tivesse sido envenenado. Seria morta<br />
por um <strong>chocolate</strong> de Sylvain Marquis...<br />
Levou-o à boca; os lábios roçavam a suavidade, os dentes venciam a menor resistência<br />
exterior. Era amargo. Bom Deus, era amargo. Escuro, escuro, escuro, praticamente sem<br />
açúcar. Pertencia à classe dos amargos. Seus dentes venceram a delicada robe e alcançaram o<br />
amargo mais macio, sedoso, liso <strong>que</strong> uma língua um dia pudesse conhecer. Havia apenas um<br />
rastro, uma pitada de canela, uma promessa ilusória de doçura, conforme derretia; mas tal<br />
promessa foi rapidamente dominada pelo amargo, por a<strong>que</strong>le derretimento, por a<strong>que</strong>le amargo<br />
suave. Em sua vida, ela nunca havia pensado <strong>que</strong> algo amargo pudesse ser tão agradável no<br />
contato com a língua.<br />
Pegou a outra metade e olhou a marca de seus dentes no ganache, <strong>que</strong> era tão escuro<br />
dentro quanto fora.