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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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252 Os Fundamentos da Liberdade<br />

tivas (ou "materiais"), que regulam as relações entre indivíduos ou entre<br />

indivíduos e o Estado. Em sua grande maioria, as assim chamadas<br />

leis são, antes, instruções baixadas pelo Estado para seus funcionários<br />

relativas à maneira pela qual eles devem conduzir o aparelho governa:<br />

mental e os meios de que dispõem. Hoje, em toda parte, é tarefa do<br />

mesmo Legislativo dirigir o uso desses meios e fixar as normas que o cidadão<br />

comum deve observar. Embora esta seja uma prática estabelecida,<br />

não precisa necessariamente permanecer inalterada. Não posso deixar<br />

de pensar se não será desejável evitar a confusão entre esses dois tipos<br />

de decisão, 1 11 ) confiando as tarefas de estabelecer normas gerais e<br />

de emitir ordens para a administração a diferentes órgãos representativos<br />

e submetendo s.uas decisões à judicial review independente, a fim de<br />

que nenhum deles ultrapasse suas atribuições. Embora possamos desejar<br />

que os dois tipos de decisão sejam controlados democraticamente,<br />

não quer dizer que deveriam estar nas mãos da mesma assembléia. 1121<br />

As disposições presentes contribuem para impedir que se perceba<br />

cas. A aplicação de tais limitações mediante o processo judicial é o dispositivo a que recorrem<br />

as comunidades auto governadas para proteger os direitos dos indivíduos e das minorias<br />

contra o poder da maioria e contra a violência dos agentes públicos que ultrapassam<br />

os limites da autoridade legal, mesmo quando agem em nome do governo e usam a<br />

força deste". Cf. a recente declaração contida no processo Estado versus Boloff, Oregon<br />

Reports 138 (1932), página 611: "Um ato legislativo cria uma norma para todos: não se<br />

trata de uma ordem dada a um indivíduo; é permanente, não transitória. A lei é universal<br />

em sua aplicação e não uma ordem súbita concernente a uma pessoa determinada".<br />

11 Ver W. Bagehot, The English Constitution, 1867, em Works, V, páginas 255-256:<br />

"Em termos estritamente jurídicos, de fato, muitas leis não são propriamente leis. A lei é<br />

uma ordem geral aplicável a muitos casos. As 'resoluções especiais' que enchem o codtgo<br />

de estatutos e aborrecem as comissões parlamentares aplicam-se a apenas um caso específico.<br />

Não criam leis estabelecendo diretrizes para a construção de estradas de ferro em geral;<br />

elas decretam que tal ferrovia será construída desta localidade para aquela, e não levam<br />

em conta nenhum outro aspecto". Hoje em dia, esta tendência tem ido tão longe,<br />

que um eminente juiz inglês perguntou: "Não é tempo de encontrarmos outro nome para<br />

a lei est:llutária, distinto da própria Lei? Paralei, quem sabe, ou mesmo sublei?" (Lord<br />

Radcliffe, Law and the Democratic State [Holdsworth Lecture (Birmingham: University<br />

of Birmingham, 1955)], página 4). Cf. também H. Jahrreiss, Mensch und Staat (Colônia,<br />

1957), página 15: "Wir sollten es uns einmal überlegen, ob wir nicht hinfort untei diesem<br />

ehrwürdigen Namen 'Gesetz' nur solche Normen setzen und Strafdrohungen nur hinter<br />

solche Normem stellen sollten, die dem Jedermann 'das Gesetz' zu werden vermógen. Sie,<br />

nur sie, seien 'Gesetze'! Alie übrigen Regelunge- die technischen Details zu solchen echten<br />

Gesetzen oder selbststãndige Vorschriften ephemeren Charakters - sollten ãusserlich abgesondert<br />

unter einem anderen Namem, ais etwa 'Anordnungen' ergehen und allenfalls Sanktionen<br />

nicht strafrechtlichen Charakters vorsehen, auch wenn die Legislative sie<br />

besch1iesst".<br />

12 É interessante refletir sobre o que teria ocorrido se, quando a Câmara dos Comuns<br />

conseguiu o controle exclusivo sobre gastos e, portanto, o controle sobre a administração,<br />

a Câmara dos Lordes exigisse poder exclusivo de elaborar leis gerais, incluindo princípios<br />

pelos quais o cidadão poderia ser compelido a pagar impostos. A divisão de competência<br />

das duas câmaras legislativas com base neste princípio nunca foi experimentada,<br />

mas se deveria pensar nessa possibilidade.<br />

As Sa!OJaguardas da Liberdade Individual 253<br />

que, embora o governo tenha de administrar os meios colocados à sua<br />

disposição (incluindo os serviços de todos aqueles que foram contrata·<br />

dos para executar suas instruções), isto não significa que ele deveria administrar<br />

igualmente as atividades dos cidadãos privados. O que distingue<br />

uma sociedade livre de uma sociedade não livre é que, na primeira,<br />

cada indivíduo tem uma esfera privada reconhecida, claramente distinta<br />

da esfera pública, e o cidadão privado não está sujeito a qualquer ordem,<br />

mas deve obedecer somente às normas que são igualmente aplicáveis<br />

a todos. No passado, o homem livre vangloriava-se de que, desde<br />

que se mantivesse nos limites das leis conhecidas, não tinha necessidade<br />

de pedir a permissão de alguém ou de obedecer às ordens de alguém. É<br />

duvidoso que qualquer um de nós possa dizer o mesmo hoje.<br />

As normas gerais e abstratas, que são leis em seu sentido substantivo,<br />

constituem essencialmente, como vimos, medidas de longo prazo,<br />

referindo-se a casos ainda desconhecidos e não contendo referências a<br />

determinadas pessoas, lugares ou objetos. Tais leis devem sempre ser<br />

prospectivas, nunca retrospectivas, em seus efeitos. Este é um princípio<br />

quase universalmente aceito, mas nem sempre expresso em forma de<br />

lei; representa um bom exemplo daquelas normas metalegais que devem<br />

ser observadas para que o Estado de Direito seja viável.<br />

3. Imutabilidade e Clareza da Lei<br />

O segundo principal atributo que deve ser exigido das verdadeiras<br />

leis é que sejam conhecidas, claras e imutáveis. 1 13 ) A importância da<br />

imutabilidade e clareza da lei para a viabilidade de uma sociedade livre<br />

dispensa comentários. Não existe, provavelmente, fator que tenha contribuído<br />

mais para a prosperidade do Ocidente do que a relativa imutabilidade<br />

e clareza da lei, que aqui predominou. < 14 l O fato de a total<br />

imutabilidade e clareza da lei ser um ideal que devemos sempre buscar<br />

mas que jamais poderemos alcançar com perfeição não altera a veracidade<br />

dessa constatação. Tornou-se moda menosprezar os progressos<br />

feitos para implantar esse ideal e pode-se entender por que os juristas,<br />

que se ocupam principalmente de litígios, tendem a fazê-lo. Eles tratam<br />

normalmente de casos cujo resultado é incerto. Mas o grau de imutabilidade<br />

e clareza da lei deve ser julgado pelas disputas que não são leva-<br />

13 Ver H.W. Wade, "The Concept of Legal Certainty", Modem Law Review, Vol.<br />

IV (1941); H.Jahrreiss, Berechenbarkeitund Recht (Leipzig, 1927); C.A. Emge, Sfcherheit<br />

und Gerechtigkeit (" Abhandlungen der Preussischen Akademie der Wissenschaften,<br />

Phil.-hist. Klasse", N? 9 [1940]); e P. Roubier, Théorie générale du droit (Paris, 1946),<br />

especialmente páginas 269 e seguintes.<br />

14 Cf. G. Phillips, "The Rule of Law", Joumal of Comparative Legislation, Vol.<br />

XVI (1934), e as obras ali citadas. Ver, contudo, Montesquieu, Spirit of the Laws, VI, 2,<br />

e a extensa análise, em Max Weber, Law in Economy and Society, ed. M. Rheinstein<br />

(Cambridge: Harvard University Press, 1954); também Neumann, op. cit., página 40.

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