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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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118 Os Fundamentos da Liberdade<br />

gumentar que, como na realidade o poder coercitivo sempre será exercido<br />

por poucos, é menos provável que se abuse dele se o poder delegado<br />

a poucos sempre puder ser revogado por aqueles que a ele têm de se<br />

submeter. Mas, embora a probabilidade de a liberdade individual sobreviver<br />

seja maior em uma democracia do que em outras formas de<br />

governo, não quer dizer que esteja automaticamente assegurada. A l-iberdade<br />

só se transformará em realidade se a maioria decidir torná-la<br />

seu objetivo. A liberdade dificilmente sobreviveria se confiássemos na<br />

mera existência da democracia para preservá-la.<br />

O terceiro argumento fundamenta-se na possibilidade de as instituições<br />

democráticas promoverem maior entendimento dos assuntos<br />

públicos pela população. Este me parece o mais convincente. É possível,<br />

como já se afirmou muitas vezes, (II> que em qualquer conjuntura o<br />

governo exercido por uma elite culta seja mais eficiente e talvez mais<br />

justo até do que o eleito pela maioria. A questão fundamental, entretanto,<br />

é que, ao compararmos a forma democrática de governo a outras,<br />

não podemos pressupor que o povo tenha compreensão das questões<br />

públicas em qualquer momento. O ponto principal da obra de Tocqueville,<br />

Democracy in America, é que esta forma de governo constitui<br />

o único método eficaz de educação da maioria, (l2) o que é tão correto<br />

hoje como era então. Democracia é, acima de tudo, um processo de<br />

formação da opinião. Sua principal vantagem não está no método de<br />

seleção dos governantes, mas no fato de que, como a maioria dos habitantes<br />

toma parte ativa na formação da opinião, conseqüentemente<br />

aqueles podem ser escolhidos entre grande número de pessoas. É possí-<br />

11 O fascínio dos liberais racionalistas pela concepção de um governo no qual as<br />

questões políticas não fossem decididas "apelando-se, direta ou indiretamente, ao julgamento<br />

ou à vontade de uma massa sem instrução, fosse ela composta de cavalheiros ou de<br />

campônios, e sim pelas opiniões deliberadamente formadas de poucos, especialmente preparados<br />

para isso", é mostrado em um dos primeiros ensaios de J .S. Mill, "Democracy<br />

and Government", de onde foi extraída a citação (London Review, 1835, reeditado em<br />

Early Essays [Londres, 1897], página 384). Prosseguindo, salienta o autor que "de todos<br />

os governos, antigos ou modernos, aquele que tem em maior grau essa virtude é o governo<br />

da Prússia - uma aristocracia dos homens bem-educados do Reino, organizada da maneira<br />

mais convincente e inteligente". Cf. também a passagem em On Liberty, ed. R.B.<br />

McCallum (Oxford, 1946), página 9. Quanto à aplicabilidade da liberdade e da democracia<br />

aos povos menos civilizados, alguns dos antigos Whigs eram consideravelmente mais<br />

liberais do que os radicais que surgiriam mais tarde. T.B. Macaulay, por exemplo, diz em<br />

uma de suas obras: "Muitos políticos da nossa época têm o hábito de afirmar, como se<br />

fosse óbvio, que nenhum povo deve ser livre enquanto não estiver preparado para usar<br />

sua liberdade. O que faz lembrar a velha história do bobo que não queria entrar na água<br />

enquanto não aprendesse a nadar. Se os homens tiverem de esperar na escravidão que a liberdade<br />

lhes seja concedida somente depois que se tornarem bons e sábios, terão, certamente,<br />

de esperar para sempre".<br />

12 Isso também parece explicar o intrigante contraste entre, de um lado, a persistente<br />

crítica à democracia no que tange a questões específicas e, de outro, a aceitação enfática<br />

do princípio da democracia que caracteriza a obra de Tocqueville.<br />

O Governo da Maioria<br />

vel admitir que a democracia não confia o poder aos mais sábios e mais<br />

bem informados e que as decisões de um governo de elite seriam talvez<br />

mais benéficas à comunidade; mas não quer dizer que devemos deixar<br />

de preferir a democracia. É em seus aspectos dinâmicos, e não em seus<br />

aspectos estáticos, que se revela o valor da democracia. Os benefícios<br />

da democracia, assim como os da liberdade, só transparecem a longo<br />

prazo, e seus resultados imediatos podem até ser inferiores aos de outras<br />

formas de governo.<br />

5. O Processo de Formação da Opinião<br />

A idéia de que o governo deve pautar-se pela opinião da maioria só<br />

faz sentido se esta opinião for independente do governo. O ideal da democracia<br />

baseia-se na convicção de que a opinião que orientará o governo<br />

emerge de um processo independente e espontâneo. Exige, portanto,<br />

a existência de uma ampla esfera, livre do controle da maioria,<br />

na qual se formam as opiniões individuais. Por esta razão, quase todos<br />

concordam que democracia é inseparável de liberdade de expressão e de<br />

debate.<br />

No entanto, a idéia de que a democracia não proporciona apenas um<br />

método para a solução das divergências de opinião quanto à linha de<br />

ação a ser adotada, mas também um padrão para definir qual será a<br />

opinião adotada, já alcançou repercussões de amplas conseqüências.<br />

Em particular, contribuiu para criar graves equívocos em torno do que<br />

é uma verdadeira lei e que leis deveremos adotar. Para que a democracia<br />

seja viável, dois pontos são igualmente importantes: que o primeiro<br />

conceito possa ser sempre averiguado e que o segundo possa sempre ser<br />

questionado. As decisões da maioria mostram o que as pessoas querem<br />

em dado momento, mas não o que seria seu interesse querer, se estivessem<br />

mais bem informadas; e, a menos que pudessem ser modificadas<br />

pela persuasão, não teriam nenhum valor. Democracia pressupõe que<br />

qualquer opinião minoritária possa tornar-se majoritária.<br />

Nem seria preciso enfatizar esta idéia, se, às vezes, não se apontasse<br />

como dever do democrata, e em especial do intelectual democrático,<br />

aceitar os pontos de vista e os valores da maioria. Sem dúvida, convencionou-se<br />

que os pontos de vista da maioria devem prevalecer em termos<br />

de ação coletiva, mas isto não significa, de modo algum, que não<br />

se deva fazer todo o esforço para mudá-los. Pode-se ter profundo respeito<br />

por essa convenção e, ao mesmo tempo, muito pouco pela sabedoria<br />

da maioria. Nossos conhecimentos e compreensão evoluem justa- ·•<br />

mente porque alguns sempre discordam da opinião da maioria. No processo<br />

de formação da opinião, é muito provável que, quando uma opinião<br />

qualquer se torna majoritária, já não seja a melhor: alguém já es-<br />

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