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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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74<br />

Os Fundamentos da Liberdade<br />

dade hão fosse considerada o princípio supremo, o fato de que uma sociedade<br />

livre só pode oferecer possibilidades e não certezas, oportunidades<br />

e não dádivas definidas a determinados indivíduos, constituiria inevitavelmente<br />

sua falha fatal que levaria a seu lento desaparecimento.<br />

10. O Papel da Razão<br />

Pr-ovavelmente o leitor seperguntará,,a estaaltura,que papel a razão<br />

ainda terá no ordenamento da atividade social, uma vez que uma política<br />

de liberdade exige que se exerça um mínimo de controle deliberado,<br />

permitindo-se um máximo de evol.ução espontânea sem orientação definida.<br />

Inicialmente, responderemos que, se se tornou necessário, no nosso<br />

contexto, buscar limites adequados ao uso da razão, determinar estes<br />

limites constitui em si um difícil e importante exercício da razão. Além<br />

do mais, se enfatizamos necessariamente tais limites, é evidente que não<br />

pretendemos dizer com isso que a razão não desempenhe um importante<br />

papel. A razão, sem dúvida, é o bem mais precioso que o homem<br />

possui. Nossa tese procura mostrar simplesmente que a razão não é onipotente<br />

e que a idéia de que ela pode dominar a si mesma e controlar<br />

sua própria evolução pode destruí-la. Tentamos exatamente defender a<br />

razão do abuso contra ela praticado por aq'ueles que não entendem as<br />

condições de seu funcionamento eficaz e evolução constante. É um apelo<br />

aos homens para que entendam que precisamos usar nossa razão de<br />

maneira inteligente e que, para fazê-lo, necessitamos preservar a indispensável<br />

matriz da espontaneidade e da não-racionalidade,.a única condição<br />

na qual a razão pode evoluir e atuar com eficiência.<br />

A postura anti-racionalista aqui assumida não deve ser confundida<br />

com irracionalismo e nem como qualquer apelo ao misticismo. < 48 ) O<br />

que defendemos não é uma abdicação da razão, mas um exame racional<br />

do âmbito em que a razão pode ser controlada adequadamente. Parte<br />

da tese afirma que o uso inteligente da razão não implica o uso intencional<br />

da razão no maior número possível de casos. Em oposição ao racionalismo<br />

ingênuo que considera nossa racionalidade atual um elemento<br />

absoluto, devemos prosseguir com os esforços iniciados por David Rume<br />

ao "fazer voltar contra os iluministas suas próprias armas" e ao<br />

buscar "reduzir as pretensões da razão utilizando a análise<br />

racional". < 49 )<br />

4 8 Deve-se admitir que, depois que a tradição aqui analisada foi transmitida por Burke<br />

aos reacionários franceses e aos românticos alemães, deixou de ser uma posição antiracionalista<br />

para se tornar uma convicção irracionalista, e que grande parte dela sobreviveu<br />

quase exclusivamente sob tal forma. Entretanto, não se deveria permitir que essa perversão<br />

do conceito, pela qual Burke é em parte responsável, contribuísse para lançar ao<br />

descrédito tudo o que é válido na tradição, nem ela nos deveria fazer esquecer "que [Burke]<br />

foi um sincero Whig até o fim", como F. W. Maitland destacou com propriedade<br />

(Collected Papers, I [Cambridge: Cambridge University Press, 1911], página 67).<br />

49 S. S. Wolin, "Hume and Conservatism", American Politicai Science Review,<br />

Liberdade, Razão e Tradição 75<br />

A primeira condição para o uso inteligente da razão no ordenamento<br />

das atividades humanas é conhecermos o papel que ela de fato<br />

desempenha e pode desempenhar no funcionamento de uma sociedade<br />

baseada na cooperação de muitas mentes individuais. Isto quer dizer<br />

que, antes de tentarmos reformar a sociedade de forma inteligente, devemos<br />

conhecer seu funcionamento; e convém ter em mente que, mesmo<br />

quando acreditamos compreender seu funcionamento, podemos estar<br />

equivocados. Precisamos procurar entender que a civilização humana<br />

tem vida própria, que todas as nossas tentativas de melhoramento<br />

devem dar-se dentro de uma estrutura geral que não podemos controlar;<br />

resta-nos apenas esperar facilitar e auxiliar o funcionamento das<br />

forças desta estrutura na medida em que as possamos compreender.<br />

NOssa atitude deve ser semelhante à de um médico diante de um organismo<br />

vivo: como ele, temos de lidar com uma entidade independente<br />

que se mantém em funcionamento em virtude de forças que não podemos<br />

substituir e que, portanto, condicionam tudo o que pretendemos<br />

conseguir. O seu aperfeiçoamento dar-se-á apenas se utilizarmos estas<br />

forças e não opondo-nos a elas. Nossos esforços visando ao progresso<br />

devem sempre se dar dentro deste todo; devem tender a uma construção<br />

gradativa e não global; < 50 ) e devem utilizar, a cada estágio, o material<br />

histórico disponível, aperfeiçoando os detalhes passo a passo, ao invés<br />

de tentarmos recriar o todo.<br />

Nenhuma destas conclusões se opõe ao uso da razão; apenas à utilização<br />

da razão nos casos em que implicaria poderes exclusivos e coercitivos<br />

para o governo; não somos contrários à experimentação, mas a<br />

todo poder exclusivo e monopólico de realizar experiências em determinado<br />

campo, poder que não deixa alternativa e presume ter sabedoria<br />

superior. Nossa argumentação se opõe à conseqüente exclusão de soluções<br />

melhores do que aquelas com as quais estão comprometidas as pessoas<br />

que detêm o poder.<br />

XLVIII (1954), página 1.001. Cf. também E. C. Mossner, Life of David Hume (Londres,<br />

1954), página 125: "Na era da razão, Hume se destacou como anti-racionalista<br />

sistemático".<br />

50 Cf. K. R. Popper, The Open Society and lts Enemies (Londres, 1945), passim.

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