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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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98 Os Fundamentos da Liberdade<br />

ta continuidade de padrões, de formas exteriores de vida, e que só se<br />

conseguirá isto se for possível transmitir não apenas vantagens imateriais,<br />

mas também vantagens materiais. O fato de algumas pessoas nascerem<br />

em uma família rica não representa maior mérito ou injustiça do<br />

que o de outras terem pais carinhosos Qu inteligentes. Na realidade, não<br />

será menos benéfico para a sociedade se pelo menos algumas crianças<br />

puderem começar com as vantagens que, num determinado momento,<br />

apenas famílias ricas podem oferecer, do que se algumas outras crianças<br />

herdarem grande inteligência ou receberem melhor orientação moral<br />

no ambiente familiar.<br />

Não é nossa intenção analisar agora a justificativa principal da herança<br />

privada, que a considera essencial para se evitar a dispersão do<br />

controle de capital e estimular sua acumulação. Analisaremos, antes, se<br />

é válido criticar tal instituição pelo fato de conferir benefícios imerecidos<br />

a alguns. Esta é, inquestionavelmente, uma das causas institucionais<br />

da desigualdade. No presente contexto não precisamos investigar<br />

se a liberdade implica liberdade ilimitada de transmitir os bens em testamento.<br />

Queremos apenas saber se as pessoas devem ter a liberdade de<br />

transmitir a seus filhos, ou a outrem, propriedades materiais que causarão<br />

substancial desigualdade.<br />

Uma vez que tenhamos concordado que é melhor utilizar os instintos<br />

naturais dos pais de forma a equipar a nova geração da melhor maneira<br />

possível, não nos parece lógico limitar essa assistência a benefícios<br />

imateriais. A função da família, que consiste em transmitir modelos e<br />

tradições, está estreitamente vinculada à possibilidade de transmitir<br />

bens materiais. E é difícil entender como a limitação do progresso material<br />

a uma única geração poderia servir aos verdadeiros interesses da<br />

sociedade.<br />

Há também outra consideração que, embora possa parecer um<br />

tanto cínica, indica claramente que, se desejarmos fazer o melhor uso<br />

possível da parcialidade natural dos pais com relação aos seus filhos,<br />

não devemos excluir a transmissão da propriedade. Tudo indica qlie,<br />

entre as muitas maneiras pelas quais alguém que tenha adquirido poder<br />

ou influência pode prover às possíveis necessidades futuras de seus filhos,<br />

a transmissão por herança é a menos dispendiosa em termos de<br />

custo social. Não existisse essa opção, as pessoas recorreriam a outros<br />

meios para auxiliar seus filhos como, por exemplo, colocando-os em<br />

uma posição que lhes proporcionasse a renda e o prestígio que uma fortuna<br />

lhes poderia trazer; e isso causaria um desperdício de recursos e injustiça<br />

maior do que aquela causada pela transmissão testamentária da<br />

propriedade. É o que ocorre em todas as sociedades em que não existe a<br />

transmissão da propriedade por herança, inclusive as sociedades comunistas.<br />

Aqueles que criticam as desigualdades advindas da sucessão testamentária<br />

deveriam, portanto, reconhecer que, dada a natureza do ho-<br />

Igualdade, Valor e Mérito 99<br />

mem, esta instituição é o menor dos males, até mesmo do seu ponto de<br />

vista.<br />

S. Igualdade de Oportunidades<br />

Se no passado a transmissão testamentária foi a fonte de desigualdades<br />

mais criticada, hoje provavelmente não o é. A agitação igualitária<br />

tende agora a girar em torno dos desníveis decorrentes das diferenças<br />

do grau de instrução. Cada vez mais pretende-se assegurar igualdade<br />

de condições, alegando-se que a melhor educação que hoje é oferecida<br />

a alguns deve ser gratuitamente estendida a todos e que, se isso não<br />

for possível, não se deve permitir que um indivíduo obtenha uma educação<br />

melhor que a dos outros apenas porque seus pais podem arcar<br />

com o ônus. Além disso, alega-se que somente aqueles que forem aprovados<br />

em um teste uniforme de capacidade devem ser beneficiados com<br />

os limitados recursos investidos na educação superior.<br />

O problema da política da educação suscita tantas questões que<br />

não pode ser discutido só de passagem dentro do tema geral da igualdade.<br />

O assunto merecerá um capítulo à parte no fim deste livro. Por enquanto,<br />

observaremos apenas que a igualdade estabelecida de maneira<br />

artificial neste campo dificilmente consegue evitar que alguns indivíduos<br />

adquiram a educação que poderiam obter em outras condições.<br />

Independentemente das medidas que possamos tomar, não conseguiremos<br />

evitar que certas vantagens, que somente alguns indivíduos podem<br />

ter, e que alguns deveriam ter, possam ser desfrutadas por pessoas que<br />

não as merecem nem as empregarão da maneira mais útil. Esse problema<br />

não pode ser resolvido satisfatoriamente pelos poderes exclusivos e<br />

coercitivos do Estado.<br />

Será instrutivo, a esta altura, analisar rapidamente as mudanças<br />

sofridas pelo ideal igualitário na área da educação, nos tempos atuais.<br />

Cem anos atrás, no auge do movimento liberal clássico, a reivindicação<br />

era expressa resumida na frase la carriere ouverte aux talents. Exigia-se<br />

que se acabasse com qualquer obstáculo criado pelo homem para dificultar<br />

a ascensão social de alguns, que todos os privilégios individuais<br />

fossem abolidos e que tudo aquilo que o Estado fizesse para criar oportunidades<br />

de o indivíduo melhorar suas condições de vida fosse igualmente<br />

aplicável a todos. Em geral, aceitava-se sem maiores dificuldades<br />

o fato de que, por serem as pessoas diferentes e serem educadas por famílias<br />

diferentes, não se podia garantir a todos igual ponto de partida.<br />

Acreditava-se que não era tarefa do governo garantir a alguém a certeza<br />

de alcançar determinada posição, mas meramente tornar acessíveis a<br />

todos os mesmos canais que, por sua natureza, dependiam da ação governamental.<br />

Aceitava-se como ponto pacífico que os resultados necessariamente<br />

seriam diferentes, não apenas porque diferentes são os indi-

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