26.06.2013 Views

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

140<br />

Os Fundamentos da Liberdade<br />

dança desde o século XIX, quando intelectuais, que também pertenciam<br />

à melhor sociedade, como Darwin < 9 l e Macaulay, Grote e Lubbock,<br />

Motley e Henry Adams, Tocqueville e Schliemann, eram figuras<br />

de grande relevo, e mesmo um crítico heterodoxo da sociedade, como<br />

Karl Marx, podia encontrar um patrono rico que lhe permitia devotar<br />

sua vida à elaboração e propagação de doutrinas que a maioria de seus<br />

contemporâneos abominava. < 10 l<br />

O desaparecimento quase completo dessa categoria - e sua virtual<br />

inexistência nos Estados Unidos - provocou uma situação em que a<br />

classe dos proprietários, agora composta quase exclusivamente de homens<br />

de negócios, carece de liderança intelectual e mesmo de uma filosofia<br />

de vida coerente e defensável. Uma classe abastada, que seja em<br />

parte uma classe que não precisa trabalhar para ganhar a vida, abrigará<br />

grande número de acadêmicos e estadistas, literatos e artistas. O relacionamento<br />

com homens que tinham o mesmo estilo de vida permitiu<br />

aos ricos preeminentes, no passado, participar do movimento de idéias<br />

e dos debates que moldaram a opinião pública. O observador europeu,<br />

quenão pode deixar de se espantar com a aparente impotência daquela<br />

que, nos Estados Unidos, ainda é considerada, por vezes, a classe dominante,<br />

talvez seja levado a crer que isso se deve sobretudo ao fato de as<br />

tradições americanas impedirem a ascensão de um grupo que não vive<br />

do trabalho, no interior dessa classe: um grupo que usa a independência<br />

propiciada pela riqueza para outros fins que não os vulgarmente chamados<br />

econômicos. Entretanto, essa ausência de uma elite cultural no<br />

interior da classe mais afluente é hoje clara também na Europa, onde o<br />

comerciais provavelmente contribuíram mais para isso do que toda a nobreza. Entretanto,<br />

sem um punhado de homens que possam devotar a vida aos ideais que escolheram,<br />

sem precisar justificar suas atividades a superiores ou clientes, e que não dependam de recompensas<br />

por merecimento, alguns dos mais importantes canais da evolução se fechariam.<br />

Ainda que a "mais generosa das bênçãos terrestres, a independência" (como achamou<br />

Edward Gibbon em sua Autobiography [Edição "World's Classics"], página 176),<br />

seja um "privilégio", no sentido de que apenas alguns podem possuí-la, não deixa de ser<br />

recomendável que outros possam gozá-la. Esperamos apenas que esse dom tão raro não<br />

seja distribuído pelo arbítrio humano, mas abençoe, por acidente do destino, alguns indivíduos<br />

de sorte.<br />

9 O próprio Darwin tinha clara consciência disso; ver The Descent of Man (edição<br />

"Modem Library"), página 522: "A existência de um grupo de homens dotados de uma<br />

formação sem par, que não precisem trabalhar pelo pão de cada dia, é extremamente importante,<br />

uma vez que todo trabalho altamente intelectual é realizado por eles, e deste,<br />

sobretudo, depende todo tipo de progresso material, sem falar de outras vantagens ainda<br />

mais sublimes".<br />

10 A respeito do importante papel que os homens ricos têm desempenhado na América<br />

de hoje, na divulgação de opiniões radicais, ver M. Friedman, "Capitalism and Freedom",<br />

em Essays on Individuality, ed. F. Morley (Pittsburgh: University of Pennsylvania<br />

Press, 1958), página 178; cf. também L. von Mises, The Anti-capitalistic Mentality (Nova<br />

Iorque, 1956) e o ensaio de minha autoria "The lntellectuals and Socialism", University<br />

of Chicago Law Review, Vol. XVI (1949).<br />

O Assalariado e o Homem Independente 141<br />

efeito conjunto da inflação e da taxação destruiu em grande parte os integrantes<br />

daquela antiga classe e impediu o crescimento de uma nova.<br />

8. A Liderança no Campo dos Valores Não Materiais<br />

É inegável que um grupo que não depende do trabalho produzirá<br />

um número proporcionalmente bem maior de bons vivants do que de<br />

estudiosos e de pessoas de destaque a serviço da sociedade, e que eles<br />

chocarão a consciência pública, por desperdiçar abertamente sua riqueza.<br />

Mas esse desperdício constitui o preço da liberdade; e não seria possível<br />

afirmar que o padrão pelo qual o consumo dos mais ociosos entre<br />

os ricos ociosos é considerado um desperdício condenável seja realmente<br />

diferente daquele pelo qual o consumo das massas dos Estados Unidos<br />

é julgado um desperdício pelos camponeses egípcios ou pelo trabalhador<br />

braçal chinês. Em termos quantitativos, o desperdício causado<br />

pelo entretenimento dos ricos é, na verdade, insignificante, comparado<br />

ao entretenimento, também "desnecessário", das massas, que<br />

desvia recursos muito maiores de fins considerados importantes, segundo<br />

certos padrões éticos. 0 1 l O desperdício que notamos na vida normal<br />

dos ricos ociosos parece tão condenável somente porque é manifesto e<br />

de natureza diversa.<br />

Por outro lado, também é verdade que, embora os gastos extravagantes<br />

de alguns repugnem aos demais, dificilmente podemos ter certeza<br />

de que, em determinadas circunstâncias, até a mais absurda experiência<br />

de vida não possa produzir resultados benéficos em geral. Não<br />

deve surpreender que a vida num novo contexto de possibilidades leve,<br />

a princípio, a uma ostentação despropositada. No entanto, não tenho<br />

dúvidas - ainda que, ao dizer isso, me esteja expondo a zombarias -de<br />

que a própria fruição do ócio exige certo pioneirismo e de que devemos<br />

muitas das formas de vida, hoje comuns, a pessoas que dedicaram todo<br />

o seu tempo à arte de viver; < 12 l muitos jogos e equipamentos esportivos<br />

que se tornaram posteriormente instrumentos de recreação das massas<br />

foram inventados por playboys.<br />

Nossa avaliação da utilidade de diferentes atividades passou a ser<br />

curiosamente distorcida pela onipresença do padrão pecuniário. Com<br />

freqüência surpreendente, as pessoas que mais protestam contra o materialismo<br />

de nossa civilização são as mesmas que não admitem outra<br />

medida da utilidaá...: de determinados serviços além da disposição de pa-<br />

11 Somente os gastos com cigarros e bebidas da população dos Estados Unidos alcançam<br />

cerca de 120 dólares por ano, para cada adulto.<br />

1 2 Um estudo da evolução da arquitetura doméstica e dos hábitos cotidianos ingleses<br />

levou um famoso arquiteto dinamarquês a afirmar que, "na cultura inglesa, o ócio tem<br />

sido a origem de tudo o que é bom" (S.E. Rasmussen, London, the V nique City [Londres<br />

e Nova Iorque, 1937], página 294).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!