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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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i.<br />

150 Os Fundamentos da Liberdade<br />

estipuladas no contrato original. Numa pequena cidade mineira, o gerente<br />

da mina pode exercer por capricho uma pressão arbitrária sobre<br />

alguém com.quem não simpatize. Essas situações, entretanto, embora<br />

não sejam impossíveis, constituem raras exceções em uma próspera sociedade<br />

competitiva.<br />

Um pleno monopólio do emprego, a exemplo do que ocorreria em<br />

um Estado totalmente socializado, onde o governo é o único empregador<br />

e proprietário dos meios de produção, pressuporia poderes ilimitados<br />

de coerção. Leon Trotsky concluía: "Em um país em que o único<br />

empregador é o Estado, oposição significa morte lenta por inanição. O<br />

velho princípio 'quem não trabalha, não come' foi substituído por outro:<br />

'quem não obedece, não come' ". < 5 l<br />

Salvo nos casos de monopólio de um serviço essencial, o mero poder<br />

de negar um benefício não produzirá coerção. A utilização deste<br />

poder poderá certamente modificar o panorama social ao qual um indivíduo<br />

adaptou seus planos e tornar necessário reconsiderar todas as<br />

suas decisões, talvez mesmo modificar todo seu esquema de vida e passar<br />

a se preocupar com coisas que antes lhe pareciam assentes. Mas,<br />

embora suas alternativas sejam poucas e incertas, e seus projetas temporários,<br />

não será a vontade de outrem que pautará suas ações. Esse indivíduo<br />

terá talvez de agir sob considerável pressão, mas não poderá dizer<br />

que esteja sendo coagido. Mesmo que, talvez juntamente com sua<br />

família, se veja ameaçado de inanição e, por isso, seja forçado a aceitar<br />

um trabalho desagradável por um salário muito baixo, e mesmo que esteja<br />

"à mercê" do único indivíduo disposto a empregá-lo, não estará<br />

sendo coagido por ele ou por qualquer outra pessoa. Na medida em que<br />

o ato que o colocou nessa situação difícil não o esteja obrigando a fazer<br />

ou não coisas específicas, na medida em que a intenção do ato que o<br />

prejudica não é forçá-lo a servir aos objetivos de outrem, os efeitos dessa<br />

ação sobre a liberdade desse indivíduo não são diferentes dos de<br />

qualquer catástrofe natural - um incêndio ou uma inundação que destrói<br />

uma residência ou um acidente que põe uma vida em perigo.<br />

4. Graus de Coerção<br />

A verdadeira coerção ocorre quando, por exemplo, um grupo armado<br />

de invasores obriga o povo subjugado a trabalhar para ele, quando<br />

gangsters organizados cobram taxas de "proteção", quando alguém<br />

faz chantagem e quando, naturalmente, o Estado ameaça punir ou empregar<br />

a força física para que obedeçamos a suas determinações. Há<br />

muitos graus de coerção, desde o caso extremo do domínio do senhor<br />

sobre o escravo ou do tirano sobre seu súdito, em que o poder ilimitado<br />

5 L. Trotsky, The Revolution Betrayed (Nova Iorque, 1937), página 76.<br />

A Coerção e o Estado<br />

de punição redunda em completa submissão à vontade do senhor, até a<br />

ameaça de infligir um único mal ao qual o ameaçado preferiria praticamente.<br />

qualquer outra opção.<br />

A tentativa de coerção será ou não bem-sucedida, dependendo em<br />

grande parte da menor ou maior força interior do coagido: a ameaça de<br />

morte poderá ter menor possibilidade de mudar os objetivos de um indivíduo<br />

do que uma pequena ameaça qualquer terá sobre outra pessoa.<br />

Mas, ainda que se possa sentir pena de uma pessoa fraca ou muito sensível,<br />

que a um simples franzir de sobrancelhas seja "compelida" a fazer<br />

o que não faria por vontade própria, preocupamo-nos com a coerção<br />

que pode afetar o homem normal médio. Embora essa coerção seja,<br />

habitualmente, uma ameaça de dano físico ao coagido ou à sua família<br />

ou amigos, ou mesmo ao seu património, não precisa necessariamente<br />

consistir no uso da força ou violência. Pode-se frustrar toda e<br />

qualquer ação espontânea de um indivíduo, colocando-se no seu caminho<br />

uma variedade infinita de pequenos obstáculos: o logro e a iniqüidade<br />

podem perfeitamente ser utilizados para coagir os que são fisicamente<br />

mais fortes. Não é impossível para um bando de garotos astutos<br />

expulsar uma pessoa impopular de uma cidade.<br />

Em certa medida, todo relacionamento humano mais estreito propicia<br />

oportunidades para coerção, não só aquele criado pelo afeto e pela<br />

necessidade econômica mas também o decorrente de circunstâncias<br />

físicas (como o que surge num navio ou em uma expedição). As condições<br />

de prestação de serviços domésticos pessoais, como todas as relações<br />

mais próximas, oferecem, sem dúvida, oportunidades de coerção<br />

de caráter particularmente opressivo e são, por isso, encaradas como<br />

restrições à liberdade individual. E um marido mal-humorado, uma esposa<br />

rabugenta ou uma mãe histérica podem tornar a vida intolerável, a<br />

menos que todas as suas vontades sejam sempre satisfeitas. Mas, neste<br />

aspecto, a sociedade pouco pode fazer para proteger o indivíduo, a não<br />

ser determinar que essas associações com outras pessoas sejam verdadeiramente<br />

voluntárias. Qualquer tentativa de regulamentar ainda mais<br />

essas associações de caráter íntimo redundaria, evidentemente, em tão<br />

profundas restrições à escolha e à conduta das pessoas, que produziria<br />

uma coerção ainda maior. Como as pessoas devem ter liberdade de escolher<br />

seus associados e entes mais próximos, a possível coerção surgida<br />

dessas associações voluntárias não dirá respeito ao governo.<br />

O leitor pode ter a impressão de que dedicamos mais espaço do que<br />

o necessário para distinguir entre o que podemos, legitimamente, chamar<br />

de "coerção" e o que não podemos e também entre as formas mais<br />

graves de coerção, que devemos impedir, e as mais brandas, que não<br />

devem constituir preocupação da autoridade. Acontece, entretanto,<br />

que, a exemplo do que ocorreu c.om o termo liberdade, a extensão gradual<br />

do conceito praticamente esvaziou seu conteúdo; A liberdade·gode<br />

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