OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE
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70 Os Fundamentos da Liberdade<br />
tético e planejado, no qual, como afirma Edmund Burke, "a prática de<br />
todos os deveres morais e os fundamentos da sociedade baseavam-se na<br />
possibilidade de justificar e demonstrar claramente a qualquer indivíduo<br />
sua razão de ser". < 42 l De fato, os racionalistas do século XVIII defendiam<br />
o ponto de vista de que, por conhecerem a natureza humana,<br />
"poderiam facilmente encontrar a moral que lhe convinha". < 43 l Eles<br />
não compreendiam que aquilo que definiam como "natureza humana"<br />
é em grande parte o produto das concepções morais que todos aprendemos<br />
com a linguagem e o pensamento.<br />
8. O Moral e o "Social"<br />
Um interessante sintoma da crescente influência da concepção racionalista<br />
é a substituição gradual, em todos os idiomas dos quais tenho<br />
conhecimento, da palavra "moral", ou simplesmente "bom'', pela palavra<br />
"social". Vale a pena exarp.inar rapidamente a importância deste<br />
fato. < 44 l Quando as pessoas falam de "consciência social", em contraposição<br />
a simples "consciência", provavelmente se referem a uma<br />
consciência de determinados efeitos de nossas ações sobre_outras pessoas,<br />
a uma tentativa de pautarmos nossa conduta não apenas por normas<br />
tradicionais, mas pelo exame explícito das conseqüências específicas<br />
daquela ação. Na realidade, elas afirmam que nossas ações deveriam<br />
ser orientadas por uma plena compreensão do funcionamento do<br />
processo social e que, por uma avaliação consciente dos fatos concretos<br />
da situação, deveríamos procurar produzir um resultado previsível que<br />
elas definem como "o bem social".<br />
O curioso é que este apelo ao "social" realmente implica a exigência<br />
de que a ação individual seja orientada pela inteligência individual,<br />
e não pelas normas que evoluíram no seio da sociedade, e que os homens<br />
deveriam dispensar o uso daquilo que poderia ser verdadeiramen-<br />
42 E. Burke, A Vindication oj Natural Society, Prefácio, em Works, l, 7.<br />
43 P. H. T. Baron d'Holbach, Systeme social (Londres, 1773), I, 55, citado em Talmon,<br />
op. cit., página 273. Afirmações igualmente ingênuas são encontradas com freqUência<br />
nos trabalhos dos psicólogos contemporâneos. B. F. Skinner, por exemplo, em<br />
Walden Two (Nova Iorque, 1948), página 85, faz o herói de sua utopia argumentar: "Por<br />
que não experimentar? As questões são bastante simples. Qual a melhor conduta para o<br />
indivíduo no que se refere ao grupo? Como induzir o indivíduo a comportar-se desta maneira?<br />
Por que não explorar tais questões de acordo com um espírito científico?<br />
"Poderíamos fazer exatamente isto em Walden Two. Já elaboramos um código de<br />
conduta, sujeito, evidentemente, a modificação experimental. O código fará com que tudo<br />
funcione perfeitamente, desde que cada indivíduo viva de acordo com ele. Nossa tarefa<br />
consiste em fazer com que todos o sigam."<br />
44 Cf. meu artigo "Was ist und was heisst 'sozial'?" em Masse und Demokratie, ed.<br />
A. Hunold (Zurique, 1957), e a tentativa de defesa do conceito em H. Jahrreiss, Freiheit<br />
und Sozialstaat ("Kõlner Universitãtsreden", N? 17 [Krefeld, 1957]), e reeditado recentemente<br />
pelo mesmo autor em Mensch und Staat (Colônia e Berlim, 1957).<br />
Liberdade, Razão e Tradição<br />
te chamado "social" (no sentido de um produto do processo impessoal<br />
da sociedade) e confiar em seu julgamento individual do caso específico.<br />
A preferência pelas "considerações sociais", com o abandono da<br />
observância de normas morais, é, portanto, em última análise, resultado<br />
do desprezo pelo que realmente constitui um fenômeno social e da<br />
crença nos poderes superiores da razão humana individual.<br />
A verdade é que tais pretensões racionalistas requerem um conhecimento<br />
que ultrapassa a capacidade da mente humana individual e<br />
que, na tentativa de se ater a elas, em sua maioria, os homens acabariam<br />
por se tornar membros menos úteis à sociedade do que podem ser<br />
ao perseguir seus próprios objetivos dentro dos limites impostos pelas<br />
normas do direito e da moral.<br />
Neste caso, a tese racionalista não leva em consideração que, na<br />
maioria das vezes, ao nos apoiarmos em normas abstratas, recorremos<br />
a um expediente que aprendemos a utilizar porque nossa razão é insuficiente<br />
para dominar todos os detalhes da realidade complexa. < 45 > Isto é<br />
válido tanto para o caso em que formulamos um