OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE
OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE
OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
26 Os Fundamentos da Liberdade<br />
prevalecem, modelos tão importantes quanto as principais criações da<br />
mente, explicitamente reconhecidas e como tais transmitidas.<br />
Determinar quem possuirá a combinação de aptidões e oportunidades<br />
que lhe permita encontrar as melhores soluções é algo tão imprevisível<br />
quanto determinar de que maneira ou por que processo tipos diferentes<br />
de conhecimentos e habilidades se combinam para solucionar<br />
os problemas. < 8 > A combinação mais adequada de conhecimentos e aptidões<br />
não é algo que se escolha por deliberação comum, por pessoas<br />
que buscam uma solução para os seus problemas mediante um esforço<br />
conjunto. < 9 > Ela resulta de um processo individual da imitação daqueles<br />
que tiveram êxito e da orientação proporcionada a estes indivíduos por<br />
sinais ou símbolos, tais como os preços oferecidos por seus produtos ou<br />
expressões de aprovação moral ou apreciação estética, conferidos àqueles<br />
que observa'ram padrões de conduta- ou seja, do fato de que esses<br />
indivíduos utilizam os resultados das experiências de outros.<br />
O funcionamento do processo exige que cada indivíduo possa agir<br />
conforme seu conhecimento pessoal, sempre inimitável, pelo menos no<br />
que se refere a certas circunstâncias específicas, e que seja capaz de utilizar<br />
suas aptidões e oportunidades, dentro' dos limites que conhece e visando<br />
a seus próprios objetivos individuais.<br />
4. A Justificativa da Liberdade Baseia-se no Reconhecimento da<br />
Ignorância<br />
Chegamos agora ao ponto em que a proposição principal deste capítulo<br />
ficará compreensível: a justificativa da liberdade individual fundamenta-se,<br />
principalmente, no reconhecimento da inevitável ignorân-<br />
8 Cf. H. O. Barnett, Innovation: The Basis of Cultural Change (Nova Iorque, 1953),<br />
particularmente a página 19: "Todo indivíduo, em muitos momentos de sua vida, é um<br />
inovador"; e página 65: "Existe uma correlação positiva entre o individualismo e o potencial<br />
inovador. Quanto maior é a liberdade do indivíduo de explorar o seu universo de<br />
experiência e de organizar seus elementos de acordo com a interpretação individual de<br />
suas sensações, maior será a probabilidade de surgirem novas idéias".<br />
9 Cf. W. A. Lewis, The Theory of Economic Growth (Londres, 1955), página 148:<br />
"Esses inovadores são sempre uma minoria. As novas idéias são postas em prática inicialmente<br />
por uma ou duas ou bem poucas pessoas, seja no caso de inovações no campo da<br />
tecnologia, seja no de novas formas de organização, novas mercadorias ou outras novidades.<br />
Essas idéias podem ser aceitas rapidamente pelos demais indivíduos. O mais provável<br />
é que sejam recebidas com ceticismo e desconfiança, a princípio, abrindo lentamente seu<br />
caminho, quando isto é possível. Na medida em que as novas idéias começam a se afirmar,<br />
as pessoas passam a aceitá-las. Assim, costuma-se dizer que mudança é função de<br />
uma elite ou que as dimensões da mudança dependem do nível de liderança numa comunidade.<br />
Isto é verdadeiro quando significa, unicamente, que a maioria das pessoas não é<br />
inovadora, mas apenas imita as outras. Todavia, é de certa forma falso quando pretende<br />
expressar que certa classe ou grupo de indivíduos produz todas as idéias novas". Também<br />
}<br />
/<br />
I<br />
I<br />
Os Poderes Criativos de uma Civilização Livre 27<br />
cia de todos os homens no que diz respeito à maioria dos fatores dos<br />
quais depende a realização dos nossos objetivos e do nosso<br />
bem-estar. (lO)<br />
Se existissem homens oniscientes, se pudéssemos conhecer não<br />
apenas tudo o que influi na realização dos nossos desejos atuais, mas<br />
também conhecer nossos desejos e necessidades futuras, não haveria<br />
muita razão para defendermos a liberdade. Por outro lado, a liberdade<br />
do indivíduo tornaria, evidentemente, impossível uma previsão perfeita.<br />
A liberdade é essencial para que o imprevisível exista; nós a desejamos<br />
porque aprendemos a esperar dela a oportunidade de realizar a<br />
maioria dos nossos objetivos. E, justamente porque o indivíduo sabe<br />
tão pouco e, mais ainda, como raramente podemos determinar quem de<br />
nós conhece mais, confiamos aos esforços independentes e competitivos<br />
de muitos a criação daquilo que desejaremos, quando tivermos a<br />
oportunidade de apreciá-lo.<br />
Por mais humilhante que seja para o orgulho humano, devemos<br />
reconhecer que o progresso e até a preservação da civilização dependem<br />
de um máximo de oportunidades para que as coisas possam<br />
página 172: "O julgamento coletivo das idéias novas é errado na maioria das vezes, a<br />
ponto de ser discutível afirmar que o progresso depende da liberdade dos indivíduos de<br />
sustentar suas próprias opiniões, apesar da desaprovação coletiva. ( ... ) A concessão de<br />
um monopólio de decisões a um comitê governamental teria as desvantagens dos dois métodos".<br />
10 Um dos poucos autores que perceberam com clareza pelo menos uma parte desse<br />
problema foi F. W. Maitland. Ele ·enfatizou (Collected Papers [Cambridge: Cambridge<br />
University Press, 1911), I, página 107) que "o argumento mais poderoso é aquele que<br />
aponta a ignorância, a inevitável ignorância, dos nossos governantes". Ver também B. E.<br />
Kline e N. H. Martin, "Freedom, Authority and Decentralization", Harvard Business<br />
Review, XXXVI (1958), particularmente a página 70: "A característica principal da hierarquia<br />
de comando, ou de qualquer grupo da nossa sociedade, não é o conhecimento<br />
mas a ignorância. De fato, qualquer pessoa pode conhecer apenas uma fração do que<br />
ocorre ao seu redor. Grande parte daquilo que essa pessoa conhece ou crê será falso, e<br />
não verdadeiro.( ... ) Em qualquer momento, o que desconhecemos é muito maior do que<br />
aquilo que conhecemos, tanto no caso de uma pessoa que se encontra em uma posição de<br />
comando, quanto no caso de toda a organização. Parece possível, então, que ao nos organizarmos<br />
em uma ordem hierárquica, a fim de aumentar a eficiência, poderemos estar, na<br />
realidade, institucionalizando a ignorância. Embora façamos uso melhor daquilo que<br />
poucos conhecem, estamos garantindo que a grande maioria seja impedida de explorar as<br />
áreas que estão além do nosso conhecimento".<br />
Em um aspecto importante, o termo "ignorância" é, de certa forma, muito limitado<br />
para os nossos propósitos. Existem ocasiões em que seria preferível falar em "incerteza",<br />
ao nos referirmos à ignorância em torno do que é certo, pois é duvidoso que possamos falar<br />
logicamente a respeito do que é certo, se ninguém sabe o que é certo no contexto concreto.<br />
Em tais casos, pode ocorrer que a moral existente não ofereça respostas a um problema,<br />
embora possa haver alguma resposta que, se conhecida e amplamente aceita, sem<br />
dúvida seria de muito valor. Muito devo a Pierre F. Goodrich, cujas observações, durante<br />
uma discussão, me ajudaram a esclarecer esse ponto importante para mim, embora não<br />
esteja convencido de que devo, em termos gerais, falar em "imperfeição" quando pretendo<br />
referir-me a ignorância.