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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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88 Os Fundamentos da Liberdade<br />

vre, ao passo que aquele que deixa para os outros a tarefa de descobrir<br />

alguma maneira útil de empregar sua capacidade terá de se contentar<br />

com uma recompensa menor.<br />

É importante reconhecer que não estaremos educando os indivíduos<br />

para uma sociedade livre, se treinarmos técnicos que esperem ser<br />

·"utilizados", que são incapazes de encontrar por si mesmos sua posição<br />

adequada e que julgam responsabilidade de outrem a tarefa de assegurar<br />

o uso apropriado de seus talentos. Por mais hábil que um homem<br />

possa ser em determinado campo, o valor de seus serviços será necessariamente<br />

baixo em uma sociedade livre, a não ser que ele também informe<br />

sobre sua habilidade aqueles que dela podem tirar o maior benefício.<br />

Embora possa ser ofensivo para o nosso senso de justiça achar que,<br />

de dois homens que adquiriram, graças a esforço idêntico , os mesmos<br />

conhecimentos e a mesma especialização, um possa ter sucesso e o outro<br />

fracassar, cumpre reconhecer que numa sociedade livre é a utilização<br />

de certas oportunidades que determina a utilidade e devemos adequar,<br />

nesse sentido, nossa educação e nossa conduta. Numa sociedade<br />

livre, somos remunerados não por nosso talento, mas pelo uso adequado<br />

que dele fazemos; e assim deve ser enquanto formos livres para escolher<br />

nossa profissão e ela não nos for imposta. Evidentemente, é quase<br />

impossível determinar em que medida uma carreira bem-sucedida foi o<br />

resultado de um conhecimento, habilidade ou esforço superiores e em<br />

que medida deve ser atribuída ao feliz acaso; porém, isso de forma alguma<br />

diminui a importância dos contextos em que a escolha correta redunda<br />

em benefício pessoal.<br />

A limitada compreensão deste fato básico pode ser avaliada por<br />

certas afirmações, feitas não apenas pelos socialistas, como, por exemplo,<br />

a de que ''toda criança tem um direito natural, enquanto cidadão,<br />

não apenas à vida, à liberdade e à busca da felicidade, mas também à<br />

posição na escala social que seus talentos lhe dão o direito de<br />

exigir". < 11 > Numa sociedade livre, o talento pessoal não confere ao indivíduo<br />

o "direito de exigir" uma posição específica. Afirmar que essa<br />

exigência é justificável implicaria admitir que algum organismo tem o<br />

direito e o poder de determinar as posições que os indivíduos irão ocupar.<br />

Uma sociedade livre apenas oferece a oportunidade de procurar<br />

uma posição adequada, com os riscos inerentes e a incerteza necessariamente<br />

implícita na busca de mercado para o talento pessoal. É inegável<br />

que, em relação a isso, uma sociedade livre submete os indivíduos a<br />

uma pressão da qual freqüentemente se ressentem. Mas é ilusório pensar<br />

que poderíamos evitá-la em algum outro tipo de sociedade; pois a<br />

alternativa à pressão implícita na responsabilidade pelo destino individual<br />

é muito mais odiosa, por decorrer de ordens emanadas de outros<br />

indivíduos, que seríamos compelidos a obedecer.<br />

11 C. A. R. Crosland, The Future of Socialism (Londres, 1956), página 208.<br />

Responsabilidade e Liberdade 89<br />

Costuma-se objetar que considerar um indivíduo o único responsável<br />

por seu próprio destino é uma convicção sustentada apenas pelos<br />

que venceram. Esta objeção em si não é tão inaceitável quanto a idéia,<br />

nela implícita, de que as pessoas defendem essa posição apenas porque<br />

venceram. Estou inclinado a pensar que se trata exatamente do oposto;<br />

que as pessoas, muitas vezes, alcançam êxito porque têm esta convicção.<br />

Embora possa ser em grande parte falsa a convicção de certos indivíduos<br />

de que tudo o que realizaram se deve exclusivamente a seu talento,<br />

inteligência e esforço, provavelmente ela influirá de maneira benéfica<br />

sobre sua energia e atenção às oportunidades. E, se o orgulho afetado<br />

de um indivíduo que logrou êxito é freqüentemente intolerável e<br />

ofensivo, a idéia de que o sucesso depende totalmente dele próprio é, do<br />

ponto de vista pragmático, o incentivo mais eficaz à ação bem-sucedida;<br />

por outro lado, quanto mais um indivíduo cede à tendência de atribuir<br />

seus fracassos aos outros ou às circunstâncias, mais descontente e<br />

ineficiente ele se tornará.<br />

8. O Âmbito da Responsabilidade<br />

O senso de responsabilidade perdeu força nos tempos modernos,<br />

quer porque o âmbito das responsabilidades individuais foi exageradamente<br />

ampliado, quer porque os indivíduos têm sido eximidos dos efeitos<br />

reais de suas ações. Como atribuímos responsabilidade ao homem<br />

com o objetivo de influir sobre seus atos, esta responsabilidade deve<br />

abranger apenas as conseqüências de sua conduta que ele pode humanamente<br />

prever e aquelas que desejaríamos fossem levadas em consideração<br />

em circunstâncias normais. Para que este objetivo seja efetivamente<br />

alcançado, a responsabilidade deve ser definida e limitada, adaptada<br />

emocional e intelectualmente às capacidades humanas. Inculcar no<br />

indivíduo a idéia de que ele é responsável por todo e qualquer ato é tão<br />

pernicioso para seu senso de responsabilidade quanto ensinar-lhe que<br />

não será responsabilizado por nada que fizer. A liberdade exige que a<br />

responsabilidade do indivíduo se estenda apenas àquilo que ele supostamente<br />

possa julgar, que suas ações levem em conta as conseqüências<br />

que ele pode prever e, especialmente, que ele seja responsável somente<br />

por suas próprias ações (ou ·por aquelas de pessoas sob seus cuidados),<br />

não pelas ações de outros indivíduos igualmente livres.<br />

A responsabilidade deve ser uma responsabilidade individual. Numa<br />

sociedade livre, não pode existir uma responsabilidade coletiva dos<br />

membros de um grupo enquanto tal, a não ser que voluntariamente se<br />

declarem responsáveis, individual e coletivamente. Uma responsabilidade<br />

dividida ou conjunta pode criar para o indivíduo a necessidade de<br />

concordar com os outros, limitando com isso os poderes de cada um. Se<br />

os mesmos problemas forem considerados responsabilidade de muitos,

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