26.06.2013 Views

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

64 Os Fundamentos da Liberdade<br />

duais haviam sido canalizados com êxito para objetivos socialmente benéficos.<br />

Na realidade, eles nunca defenderam uma posição antiestatal,<br />

ou anárquica, que é conseqüência lógica da doutrina racionalista do<br />

laissez-faire; eles admitiam tanto funções adequadas para o Estado como<br />

a instituição de limites à ação estatal.<br />

A diferença é particularmente evidente nas premissas das duas escolas<br />

quanto à natureza do indivíduo. As teorias da construção social<br />

deliberada baseavam-se necessariamente no pressuposto de que o indivíduo<br />

é propenso à ação racional e dotado de inteligência e bondade naturais.<br />

A teoria evolucionista, ao contrário, mostrava que certas estruturas<br />

institucionais levariam o homem a utilizar da melhor forma sua<br />

inteligência e que as instituições poderiam ser estruturadas de modo a<br />

minimizar o mal praticado pelos homens. ( 30 > A tradição antiracionalista,<br />

no caso, está mais próxima da tradição cristã, que define o<br />

homem como falível e pecador, enquanto o perfeccionismo dos racionalistas<br />

é incompatível com tal tradição. Nem mesmo o famoso conceito<br />

do "homem econômico" pertence, originalmente, à tradição evolucionista<br />

britânica. Não seria tão exagerado afirmar que, segundo aqueles<br />

filósofos britânicos, o homem era, por natureza, preguiçoso e indolente,<br />

imprevidente e esbanjador, e que apenas por força das circunstâncias<br />

poderia ser obrigado a se comportar de forma econômica ou<br />

aprender a adaptar cuidadosamente seus meios a seus fins. O homo<br />

oeconomicus só foi dado a conhecer por John Stuart Mi11,(31> juntamente<br />

com várias outras idéias que pertencem muito mais à tradição racionalista<br />

que à evolucionista.<br />

S. Costume e Tradição<br />

A diferença mais importante entre ambas as posições, entretanto,<br />

está nos seus conceitos sobre o papel das tradições e sobre o valor de todos<br />

os outros produtos da evolução inconsciente através dos<br />

tempos. ( 32 > Não seria injusto afirmar que o enfoque racionalista, nesse<br />

30 Cf., como exemplo, a diferença entre D. Hume, Essays, Livro I, VI, página 117:<br />

"Os escritores políticos estabeleceram como máxima irrefutável que, ao formular um sistema<br />

de governo e ao fixar os diversos controles da constituição, se deve partir do pressuposto<br />

de que os homens são uns patifes e não têm outro objetivo, no que diz respeito a<br />

suas ações, senão promover seu interesse privado" (com referência provavelmente a Maquiavel,<br />

Discorsi, I, 3: "O legislador, para seus fins, deve partir do pressuposto de que todos<br />

os homens são maus"), e R. Price, Two Tracts on Civil Liberty (Londres, 1778), página<br />

11: "A vontade humana, quando totalmente livre de coação, deve levar o homem<br />

inevitavelmente à retidão e à virtude". Ver também minha obra Individualism and Economic<br />

Order (Londres e Chicago, 1948), páginas 11-12.<br />

31 Ver J.S. Mill, Essays on Some Unsettled Questions oj Politica! Economy (Londres,<br />

1844), Ensaio V.<br />

32 Ernest Renan, em um importante ensaio sobre os princípios e tendências da escola<br />

I<br />

Liberdade, Razão e Tradição 65<br />

caso, se opõe a quase tudo aquilo que é produto específico da liberdade<br />

e justifica o valor da liberdade. Aqueles que acreditam que todas as instituições<br />

úteis são criações da vontade e que nada concebem que possa<br />

servir a um objetivo humano que não tenha sido conscientemente planejado<br />

são, quase necessariamente, inimigos da liberdade. Para eles, liberdade<br />

é sinônimo de caos.<br />

Por outro lado, segundo a tradição evolucionista empírica, o valor<br />

da liberdade consiste principalmente na oportunidade que ela proporciona<br />

para o desenvolvimento de tudo o que não é planejado, e o funcionamento<br />

benéfico de uma sociedade livre assenta, sobretudo, na<br />

existência de instituições que evoluíram livremente. Provavelmente,<br />

nunca existiu uma verdadeira crença na liberdade, e, com certeza, nunca<br />

houve uma tentativa bem-sucedida de fazer funcionar uma sociedade<br />

livre sem um autêntico respeito por instituições que passaram por uma<br />

evolução, por costumes e hábitos e "todas as garantias de liberdade originadas<br />

pela ação normativa de antigos preceitos e costumes". ( 33 ! Por<br />

mais paradoxal que possa parecer, provavelmente, uma sociedade livre<br />

e bem-sucedida sempre será, em grande parte, uma sociedade ligada às<br />

tradições. ( 34 J<br />

O apreço pela tradição e pelo costume, por instituições que são o<br />

resultado de uma evolução e por normas cujas origens e justificativa<br />

não conhecemos, naturalmente não significa - conforme acreditava<br />

liberal, publicado pela primeira vez em 1858 e posteriormente incluído em sua obra Essa is<br />

de mora/e et de critique (atualmente em Oeuvres completes, ed. H. Psichari, II [Paris,<br />

1947], páginas 45 e seguintes), observa: "Le libéralisme, ayant la prétention de se fonder<br />

uniquement sur les príncipes de la raison, croit d'ordinaire n'avoir pas besoin de traditions.<br />

Là est son erreur. ( ... ) L'erreur de l'école libérale est d'avoir trop cru qu'il est facile<br />

de créer la liberté par la réflexion, et de n'avoir pas vu qu'un établissement n'est solide<br />

que quand il ades racines historiques. ( ... ) Elle ne vit pas que tous ses efforts ne pouvait<br />

sortir qu'une bonne administration, mais jamais la liberté, puisque la liberté résulte d'un<br />

droit antérieur et supérieur à celui de l'État, et non d'une déclaration improvisée ou d'un<br />

raisonnement philosophique plus ou moins bien déduit". Ver também a observação de<br />

R.B. McCallum na Introdução à sua edição de 1 .S. Mil!, On Liberty (Oxford, 1946), página<br />

IS: "Embora Mil.l admita o grande poder dos costumes e, dentro de certos limites,<br />

sua utilidade, tende a criticar todas as normas que dependem deles e que não são defendidas<br />

pela razão. Ele nota: 'As pessoas estão acostumadas a acreditar, e têm sido encorajadas<br />

a isto por pessoas que aspiram ao título de filósofos, que seus sentimentos sobre assuntos<br />

desta natureza são melhores que a razão, e, portanto, que a razão é desnecessária'.<br />

Esta é uma atitude que Mill, enquanto racionalista utilitário, nunca aceitou. Era o princípio<br />

da 'simpatia-antipatia', que Bentham considerava a base de todos os sistemas que não<br />

aderiam ao enfoque racionalista. Como pensador político, Mill adotava a posição fundamental<br />

de que todos estes pressupostos irracionais deveriam ser pesados e considerados<br />

pelo julgamento ponderado e reflexivo dos intelectuais".<br />

33 Joseph Butler, Works, ed. W. E. Gladstone (Oxford, 1896), II, 329.<br />

34 Até o professor H. Butterfield, que entende do assunto melhor que a maioria das<br />

pessoas, acredita ser "um dos paradoxos da história" que "o nome da Inglaterra tenha<br />

sido tão associado à liberdade, por um lado, e à tradição, por outro''. (Liberty in the Modern<br />

World [Toronto, 1952], página 21).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!