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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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350 Os Fundamentos da Liberdade<br />

em um esquema totalmente diferente: em um instrumento de redistribuição<br />

compulsória de renda. A ética de um sistema desse gênero - no<br />

qual não é uma maioria de contribuintes que determina o que se deve<br />

conceder à minoria menos afortunada, mas uma maioria de beneficiários<br />

que decide o que arrancar de uma minoria mais rica- será o assunto<br />

do próximo capítulo. No momento, tratamos apenas do processo pelo<br />

qual um mecanismo, originalmente destinado a mitigar a pobreza, está<br />

sendo em geral convertido em instrumento de redistribuição igualitária.<br />

Foi como instrumento de socialização de renda, de criação de uma espécie<br />

de Estado doméstico que aloca benefícios em espécie ou em mercadoria<br />

àqueles que são considerados mais merecedores de auxílio, que<br />

o Estado previdenciário se tornou para muitos o substituto do superado<br />

socialismo. Vista como alternativa para o já desacreditado método de<br />

orientação direta da produção, a técnica do Estado previdenciário que<br />

procura promover uma "justa distribuição" pela repartição da renda<br />

nas proporções e da forma que julga adequadas, nada mais é, na verdade,<br />

que um novo método para alcançar os velhos objetivos do socialismo.<br />

Este método se tornou muito mais amplamente aceito do que o antigo<br />

socialismo porque, a princípio, era em geral apresentado como<br />

uma forma eficiente de assistência aos cidadãos especialmente necessitados.<br />

Mas a aceitação dessa proposta aparentemente razoável de um<br />

organismo assistencial foi então interpretada como um compromisso<br />

com algo muito diferente. Essa transformação foi possível sobretudo<br />

em razão de decisões que, aos olhos de muitos, pareciam relacionadas a<br />

assuntos técnicos menos importantes, em que as distinções essenciais<br />

eram, não raro, deliberadamente escamoteadas por uma persistente e<br />

hábil propaganda. É essencial que estejamos claramente conscientes da<br />

necessidade de distinguir uma situação em que a comunidade aceita o<br />

dever de prevenir a miséria e de prover um nível mínimo de bem-estar<br />

da situação em que a comunidade assume o poder de determinar a "justa"<br />

posição de todos os indivíduos e aloca, a cada um, o que julga merecido.<br />

A liberdade é severamente ameaçada quando são dados ao governo<br />

poderes exclusivos para a prestação de certos serviços - poderes<br />

"From Social Insurance to Social Secutiry: Evolution in France", /nternational Labour<br />

Review, LVII Uunho de 1948), 588: "O plano de previdência social francês não visava essencialmente<br />

a outra coisa além da introdução de um pouco mais de justiça na distribuição<br />

da renda nacional"; e O. Weisser, "Soziale Sicherheit", Handworterbuch der Sozialwissenschaften,<br />

IX (1956), 401: "Ein weiterer Wesenszug der Sicherungssysteme ist unter<br />

kulturellen Gesichtspunkten beachtlich. Diese Systeme verwenden Teile des Volkseinkommens<br />

zwangsweise zur Deckung eines bestimmten Bedarfs, der für objektiv gegeben<br />

gehalten wird". Também A. Müller-Armack, "Soziale Markwirtschaft", ibid., p. 391:<br />

"Der marktwirtschaftliche Einkommensprozess bietet der Sozialpolitik ein tragfãhiges<br />

Fundament für eine staatliche Einkommenumleitung, die in Form von Fürsorgeleistungen,<br />

Renten, und Lastenausgleichszahlungen, Wohnungsbauzuschüssen, Subventionen<br />

u.s.W . ... die Einkommensverteilung korrigiert";<br />

A Previdência Social 351<br />

que ele necessariamente empregará na coerção discricionária de indivíduos,<br />

a fim de alcançar seus objetivos. < 5 ><br />

3. A Democracia e o Tecnoburocrata<br />

A extrema complexidade e a conseqüente impossibilidade de a opinião<br />

pública compreender os sistemas de seguro social criam um sério<br />

problema para a democracia. Não seria exagero dizer que, embora a<br />

criação de um imenso aparato de previdência social tenha constituído<br />

fator fundamental de transformação da nossa economia, esse sistema é<br />

também o menos compreendido. Isso é visível não apenas no fato de<br />

que cada beneficiário acredita firmemente < 6 > ter direito moral aos serviços,<br />

pois pagou por eles, mas também no fato curioso de que os mais<br />

importantes projetas de lei sobre previdência social são às vezes apresentados<br />

ao legislativo de forma tal que este não tem escolha senão<br />

aprová-los ou rejeitá-los globalmente, excluindo qualquer possibilidade<br />

de modificação. < 7 > Isto acaba criando uma situação paradoxal em que a·<br />

mesma maioria, cuja suposta incapacidade de escolher sabiamente por<br />

5 No limitado espaço de que aqui dispomos é impossível mostrar detalhadamente como<br />

os ambiciosos objetivos dos sistemas previdenciários do governo tornam inevitável a<br />

concessão de amplos poderes discricionários e coercitivos às autoridades. Alguns desses<br />

problemas são expostos com clareza na interessante tentativa de A. D. Watson, The Principies<br />

Which Should Govern the Structure and Provisions oj a Scheme oj Unemployment<br />

Insurance (Ottawa: Unemployment Insurance Commission, 1948), de criar um sistema de<br />

seguro privado com as mesmas finalidades. A respeito disso, E. M. Burns, no documento<br />

citado acima na Nota 2, página 1.474, comenta: "Desse modo, A. D. Watson, o autor da<br />

tentativa provavelmente mais coerente e bem fundamentada de relacionar o seguro social<br />

ao privado, afirma: 'A transgressão dos sólidos princípios do seguro leva-nos ao caos<br />

donde, talvez, não haja retorno'. No entanto, na tentativa de elaborar elementos específicos<br />

para uma legislação de seguro-desemprego, esse mesmo autor também se vê forçado a<br />

recorrer a princípios concebidos em termos daquilo que é 'razoável', 'viável do ponto de<br />

vista administrativo' ou 'justo, do ponto de vista prático'. Tais expressões, contudo, só<br />

podem ser interpretadas em função de algum objetivo básico, de um meio social específico<br />

e de um conjunto de valores socialmente predominantes. O significado preciso do termo<br />

'razoável' implica, portanto, um equilíbrio de interesses e objetivos". Esta dificuldade<br />

surge apenas se se pressupõe que um sistema de seguro privado deve oferecer tudo que<br />

um sistema estatal poderia oferecer. Mesmo com objetivos mais limitados, ainda seriam<br />

preferíveis sistemas privados competitivos.<br />

6 Dillard Stokes, em sua obra Social Security- Fact and Fancy (Chicago, 1956), ilustra<br />

amplamente a influência desse conceito errôneo na política previdenciária dos Estados<br />

Unidos. Exemplos semelhantes poderiam ser apontados no caso da Grã-Bretanha.<br />

7 Ver Meriam e Schlotterbeck, op. cit., páginas 9-10, em que se comenta que a então<br />

mais recente lei sobre previdência social nos Estados Unidos "foi aprovada pela Câmara<br />

dos Representantes no dia 5 de outubro de 1949, de acordo com uma norma que não permitia<br />

propostas de emendas oriundas da assembléia ou da minoria dos membros da Comissão<br />

de Economia e Finanças. A posição adotada, não sem grande mérito, foi que o<br />

projeto de lei H. R. 6.000 era muito complicado e técnico para receber pequenas emendas<br />

por parte de pessoas que não conheciam todas as suas complexidades".

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