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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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104 Os Fundamentos da Liberdade<br />

com melhor qualificação, a menos que concedamos aos bem-sucedidos<br />

todo o reconhecimento ou recompensa material, embora muitos outros<br />

possam ter-se esforçado de modo tão meritório quanto estes. Pela mesma<br />

razão por que ninguém é capaz de saber de antemão quem terá êxito,<br />

ninguém é capaz de dizer quem obteve maior mérito. Seria incoerente<br />

com os nossos propósitos deixar que todos os que se esforçaram honestamente<br />

repartam o prêmio. Além disso, tal atitude tornaria necessário<br />

que alguém tivesse o direito de decidir quem poderá concorrer a<br />

esse prêmio. Para que, na busca de objetivos incertos, os indivíduos utilizem<br />

seu próprio conhecimento e capacidade, eles precisam orientar-se<br />

não pelo que os outros acham que eles deveriam fazer, mas pelo valor<br />

que os outros atribuem aos resultados por eles visados.<br />

O que é obviamente válido a respeito de empreendimentos que comumente<br />

consideramos arriscados não é menos válido com relação a<br />

qualquer objetivo escolhido que decidamos perseguir. Qualquer decisão<br />

neste sentido estará cercada de incertezas e, se quisermos que a escolha<br />

seja tão sábia quanto for humanamente possível, os resultados alternativos<br />

esperados devem ser rotulados de acordo com o seu valor. Se<br />

a remuneração não correspondesse ao valor que o produto do esforço<br />

de um indivíduo tem para seus semelhantes, ele não teria condição de<br />

decidir se a busca de determinado objetivo vale o esforço e o risco. Ele<br />

teria necessariamente de ser instruído sobre o que fazer, e suas obrigações<br />

e sua remuneração precisariam ser fixadas pela avaliação de outra<br />

pessoa com respeito à melhor maneira de utilizar sua capacidade. 04 '<br />

· O que ocorre, evidentemente, é que nós não pretendemos que as<br />

pessoas conquistem o máximo de mérito, mas um máximo de utilidade<br />

com um mínimo de esforço e sacrifício e, portanto, um mínimo de mérito.<br />

Não apenas nos seria impossível recompensar todo o mérito com<br />

justiça, como também não seria nem mesmo conveniente que as pessoas<br />

aspirassem a conquistar, sobretudo, o mérito máximo. Qualquer tentativa<br />

de induzi-las a isso resultaria, inevitavelmente, em uma recompensa<br />

desigual pelo mesmo serviço. Além disso, só podemos julgar com<br />

14 Afirma-se freqüentemente que a justiça exige que a remuneração seja proporcional<br />

aos desconfortos de cada ocupação e que, por esta razão, o varredor de ruas e o limpador<br />

de esgotos deveriam ganhar mais que o médico ou o funcionário de escritório. Isto,<br />

na verdade, parece ser conseqüência do princípio da remuneração de acordo com o mérito<br />

(ou da "justiça distributiva"). No mercado, tal situação poderia ocorrer apenas se todas<br />

as pessoas tivessem igual habilidade para exercer todas as ocupações, de modo que as<br />

que pudessem ganhar tanto quanto as demais em empregos mais agradáveis teriam de receber<br />

mais por desempenhar funções pouco atraentes. Na prática, contudo, os empregos<br />

desagradáveis constituem para aqueles cuja utilidade em atividades mais atraentes é reduzida<br />

uma oportunidade de ganhar mais do que poderiam em qualquer outro emprego.<br />

Por outro lado, o fato de que os indivíduos que pouco têm a oferecer aos seus concidadãos<br />

só poderiam perceber rendimentos semelhantes aos demais membros com um sacrifício<br />

muito maior é inevitável num sistema em que se permite aos indivíduos escolher sua<br />

própria esfera de utilidade.<br />

Igualdade, Valor e Mérito 105<br />

certa segurança o valor do resultado, e não os diferentes graus do esforço<br />

que sua consecução custou a cada pessoa.<br />

O que uma sociedade livre confere pelos resultados do esforço individual<br />

serve para indicar àqueles que lutam pelas recompensas o esforço<br />

que elas exigem. Todavia, o mesmo prêmio irá para todos os que<br />

produzem resultado equivalente, independentemente do esforço desenvolvido.<br />

O que se aplica, nesse caso, à remuneração pelos mesmos serviços<br />

prestados por pessoas diferentes aplica-se ainda mais à remuneração<br />

relativa por serviços diferentes, que requerem dons e talentos diferentes:<br />

esses serviços têm pouca relação com mérito. O mercado, em geral,<br />

oferecerá por serviços de qualquer natureza o valor que terão para<br />

os que deles desfrutam; mas dificilmente saberemos se era necessário<br />

oferecer tanto para a obtenção desses serviços; e muitas vezes a comunidade<br />

poderia, sem dúvida, tê-los obtido por muito menos. O pianista<br />

que, há pouco tempo, se dizia disposto a tocar mesmo se tivesse de pagar<br />

por esse privilégio provavelmente expressava a atitude de muitas<br />

pessoas que obtêm elevadas rendas de atividades que também são, para<br />

elas, principalmente fonte de prazer.<br />

8. Conseqüências da Distribuição segundo o Mérito<br />

Embora a maioria das pessoas considere muito natural que ninguém<br />

deva ser recompensado além do que merece em razão do seu sacrifício<br />

e esforço, esse ponto de vista baseia-se em um pressuposto estarrecedor.<br />

Ou seja, ele presume que somos todos capazes de julgar, em<br />

cada caso individual, como as pessoas usam suas diferentes oportunidades<br />

e talentos e o mérito de suas realizações à luz de todas as circunstâncias<br />

que as tornaram possíveis. Presume ainda que alguns indivíduos<br />

têm a capacidade de determinar de modo definitivo quanto uma pessoa<br />

vale e têm o direito de estabelecer o que ela pode realizar. Presume,<br />

portanto, aquilo que a justificativa filosófica da liberdade rejeita especificamente:<br />

ou seja, que podemos conhecer, e conhecemos, tudo aquilo<br />

que orienta as ações de um indivíduo.<br />

Uma sociedade na qual a posição dos indivíduQs tivesse de corresponder<br />

a conceitos humanos de mérito moral seria justamente o oposto<br />

de uma sociedade livre. Seria uma sociedade em que as pessoas receberiam<br />

recompensa pela obrigação cumprida e não pelo sucesso; na qual<br />

cada ação do indivíduo seria pautada por aquilo que os outros achassem<br />

que ele deveria fazer, e na qual o indivíduo estaria, conseqüentemente,<br />

isento da responsabilidade e do risco de decidir. Mas, como ninguém<br />

tem conhecimento suficiente para orientar todas as ações humanas,<br />

não há ser humano competente para recompensar todos os esforços<br />

segundo o mérito.<br />

Em nossa conduta individual geralmente agimos na pressuposição

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