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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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72 Os Fundamentos da Liberdade<br />

belecer racionalmente normas mais eficazes para a consecução de seu<br />

objetivo do que aquelas que evoluíram gradualmente através dos tempos;<br />

e, mesmo que ele conseguisse, tais normas não cumpririam realmente<br />

seu objetivo, a menos que fossem observadas por todos. Portanto,<br />

não temos outra escolha senão a submissão a normas cuja lógica<br />

freqüentemente não conhecemos; e devemos proceder assim,conscientes<br />

ou não de que algo importante depende de sua observância no caso<br />

específico. As normas da moral são instrumentais no sentido de que contribuem<br />

principalmente para a realização de outros valores humanos; entretanto,<br />

como raramente podemos saber qual o resultado de sua observância<br />

em cada caso particular, seu cumprimento deve ser considerado<br />

um valor em si, uma espécie de fim intermediário que devemos perseguir<br />

sem questionar sua razão de ser em cada caso concreto.<br />

9. A Liberdade como Princípio Moral<br />

As considerações acima, naturalmente, não implicam que todos os<br />

conjuntos de princípios morais que evoluíram numa determinada sociedade<br />

são benéficos. Assim como um grupo pode vir a predominar graças<br />

às normas morais observadas por seus membros, e seus valores conseqüentemente<br />

podem acabar sendo imitados por toda a nação que<br />

aquele grupo passou a liderar, é possível também.que um grupo ou nação<br />

se destrua por causa das normas de conduta moral que segue. Somente<br />

os resultados eventuais podem mostrar se os ideais que orientam<br />

um grupo são benéficos ou nefastos. O fato de uma sociedade ter chegado<br />

a considerar os ensinamentos de alguns homens a expressão do<br />

bem não prova que, se seguidos, tais ensinamentos não possam levar a<br />

nação à ruína. É possível que uma nação se destrua ao obedecer aos ensinamentos<br />

daqueles que considera seus melhores membros, santos até,<br />

indubitavelmente guiados pelos ideais mais altruístas. Uma sociedade<br />

cujos membros ainda fossem livres para decidir seu modo de vida não<br />

correria este risco, pois tais tendências seriam corrigidas automaticamente:<br />

somente os grupos orientados por ideais "inviáveis" decairiam,<br />

enquanto outros, menos virtuosos, segundo os padrões correntes, tomariam<br />

o seu lugar. Mas isto ocorrerá somente numa sociedade livre,<br />

em que tais ideais não sejam impostos a todos. Nas sociedades em que<br />

todos são obrigados a servir aos mesmos ideais e onde não se permite<br />

aos dissidentes seguir outros ideais, as normas só se demonstrarão inadequadas<br />

com a decadência de toda a nação.<br />

A questão importante com que nos deparamos aqui é se o consenso<br />

da maioria a respeito de uma norma moral é suficiente para justificar<br />

que se obrigue uma minoria dissidente a segui-la, ou se tal poder não<br />

deveria também ser limitado por normas mais gerais. Em outras palavras,<br />

o problema é se a legislação ordinária deveria ser limitada por<br />

Liberdade, Razão e Tradição 73<br />

princípios gerais, do mesmo modo que as normas morais de conduta individual<br />

excluem certos tipos de ação, por melhores que possam ser<br />

seus objetivos. Tanto na ação política como na ação individual existe a<br />

mesma necessidade de normas de conduta moral, e tanto as conseqüências<br />

de sucessivas decisões coletivas como as de decisões individuais serão<br />

benéficas unicamente se estiverem de acordo com princípios comuns.<br />

As normas morais de ação coletiva são aperfeiçoadas com dificuldade<br />

e muito lentamente, o que deve bastar para indicar quanto são valiosas.<br />

Dos poucos princípios desta categoria que a humanidade conseguiu<br />

aperfeiçoar, o mais importante é a liberdade individual, que, sem<br />

dúvida alguma, deve ser considerada um princípio moral de ação política.<br />

Como todos os princípios morais, a liberdade individual exige que a<br />

aceitemos como um valor intrínseco, como um princípio que deve ser<br />

respeitado sem nos determos sobre as conseqüências em determinado<br />

caso. Não obteremos os resultados desejados se não aceitarmos a liberdade<br />

como um princípio ou um pressuposto tão fundamental, que nenhuma<br />

razão de conveniência poderá limitá-la.<br />

Em última análise, a defesa da liberdade é a defesa de princípios<br />

em contraposição ao imediatismo da ação coletiva, ( 46 > o que, como veremos<br />

mais adiante, equivale a dizer que apenas o juiz, e não o administrador,<br />

pode ordenar a coação. Quando um dos líderes intelectuais do<br />

liberalismo do século XIX, Benjamin Constant, definiu a doutrina como<br />

um systeme de principes, ( 47 > chegou ao âmago da questão. A liberdade<br />

não apenas constitui um sistema no qual toda a ação governamental<br />

é orientada por princípios, mas também um ideal que só será preservado<br />

se for aceito como princípio soberano que governa toda legislação<br />

específica. Quando não existe uma persistente adesão a norma tão fundamental,<br />

como ideal último a respeito do qual não pode haver concessões<br />

com vistas a vantagens materiais - como um ideal que, embora possa<br />

ser infringido temporariamente durante uma emergência passageira, deve<br />

constituir a base de todas as disposições permanentes -, quase certamente<br />

a liberdade será destruída por violações gradativas. Pois, em cada caso<br />

particular, será possível prometer vantagens tangíveis e concretas como<br />

resultado de uma redução da liberdade, enquanto os benefícios sacrificados<br />

serão, por natureza, sempre desconhecidos e indefinidos. Se a liber-<br />

46 Hoje em dia, questiona-se freqüenternente se a coerência deve ser considerada<br />

urna virtude na ação social. O desejo de coerência é, às vezes, apresentado corno um preconceito<br />

racionalista, e o julgamento de cada caso, segundo os méritos individuais, corno<br />

o procedimento verdadeiramente experimental ou empírico. A verdade é exatarnente o<br />

oposto. O desejo de coerência surge a partir do reconhecimento explícito da inadequação<br />

de nossa razão à compreensão explícita de todas as implicações do caso específico, ao<br />

passo que o procedimento supostamente pragmático se baseia no pressuposto de que podemos<br />

avaliar perfeitamente todas as implicações do caso, sem contar com os princípios<br />

que nos dizem quais os fatos particulares a considerar.<br />

47 B. Constant, "De l'arbitraire", em Oeuvres politiques de Benjamin Constant, ed.<br />

C. Louandre (Paris, 1874), páginas 91-92.

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