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OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE

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456 Os Fundamentos da Liberdade<br />

por amor à justiça, que todos comecem a partir do mesmo patamar, esse<br />

ideal é literalmente impossível de se atingir. Além disso, pensar que<br />

ele foi realizado, mesmo parcialmente, só pode tornar a situação pior<br />

para os menos dotados. Embora seja plenamente justificável a eliminação<br />

de todos os obstáculos artificiais que as instituições existentes podem<br />

colocar no caminho de algumas pessoas, não é possível nem desejável<br />

compelir todos a começar no mesmo patamar, pois isto só pode<br />

ocorrer se privarmos algumas pessoas das possibilidades que não podem<br />

ser proporcionadas a todos. Embora queiramos que as oportunidades<br />

de todos sejam as maiores possíveis, certamente reduziríamos as<br />

da maioria se impedíssemos que elas fossem maiores que as dos menos<br />

dotados. Afirmar que todos os que vivem na mesma época em determinado<br />

pais devem começar a partir do mesmo ponto é tão incompatível<br />

com uma civilização em desenvolvimento quanto afirmar que este tipo<br />

de igualdade deve ser garantido a pessoas que vivem em épocas e lugares<br />

diferentes.<br />

Pode ser do interesse da comunidade dar a algumas pessoas que<br />

demonstram capacidade excepcional para estudos acadêmicos ou científicos<br />

a oportunidade de segui-los, independentemente da situação financeira<br />

de suas famílias. Mas isto não significa que tal oportunidade<br />

constitua um direito; nem significa que somente aqueles cujas capacidades<br />

excepcionais podem ser confirmadas devam ter a oportunidade ou<br />

que ninguém deva tê-la a menos que possa ser garantida a todos que são<br />

aprovados nos mesmos testes objetivos.<br />

Nem todas as qualidades que permitem a uma pessoa prestar contribuições<br />

especiais podem ser avaliadas mediante exames ou testes; e é<br />

mais importante que pelo menos a algumas pessoas, das que têm essas<br />

qualidades, se dê uma oportunidade do que esta ser oferecida a todos os<br />

que atendem às mesmas condições. Uma apaixonada sede de conhecimentos,<br />

ou uma inusitada combinação de interesses, pode ter maior relevância<br />

do que dons mais evidentes ou capacidades mensuráveis; e<br />

uma base sólida de conhecimentos e interesses gerais ou um ·grande<br />

amor pelo conhecimento gerado pelo ambiente familiar normalmente<br />

contribuem mais para realizações concretas do que a capacidade natural.<br />

O fato de haver pessoas que desfrutam das vantagens de um ambiente<br />

familiar favorável é um bem da sociedade que as políticas igualitárias<br />

podem destruir, mas que não pode ser utilizado sem criar desigualdades<br />

"imerecidas". E, como o amor ao conhecimento é um traço<br />

que provavelmente será transmitido pela familia, deveríamos deixar<br />

que os pais que dão muita importância à educação a assegurassem a<br />

seus filhos com sacrifícios materiais, ainda que, por outros padrões,<br />

tais jovens aparentemente a mereçam menos que outros que não irão<br />

recebê-la. < 9 ><br />

9 Um problema que ainda não recebeu atenção no atual sistema é o do jovem que de-<br />

6. Uma Nova Ordem Hierárquica?<br />

A idéia de que a educação deve ser proporcionada apenas aos indivíduos<br />

de comprovada capacidade faz 'toda a população passar a ser<br />

classificada segundo determinado teste objetivo e leva a prevalecer em<br />

todo o sistema educacional um conjunto de conceitos quanto ao tipo de<br />

pessoa que estaria qualificado para se beneficiar com a educação superior.<br />

Isto implica uma ordenação oficial das pessoas numa hierarquia,<br />

em que o gênio oficial fica no topo e o idiota oficial no último degrau,<br />

hierarquia bastante agravada pelo fato de se supor que ela expressa<br />

"mérito" e determinará o acesso às oportunidades em que o valor se<br />

pode revelar. Sempre que se adota exclusivamente um sistema de educação<br />

pública por motivos de "justiça social", será aplicado um único<br />

conceito de educação superior - e portanto dos requisitos necessários<br />

para ter acesso a ela - e a circunstância de uma pessoa ter recebido educação<br />

superior indicará presumivelmente que ela a "mereceu".<br />

Na educação, como em outros campos, o fato de que a comunidade<br />

tem interesse em auxiliar alguns não deve ser interpretado como se<br />

somente aqueles que, segundo certas premissas, parecem merecer o auxílio<br />

dos fundos públicos devem ter acesso à educação superior, nem<br />

que se deva proibir indivíduos ou grupos de auxiliar determinadas pessoas<br />

por outras razões. É recomendável conceder uma oportunidade a<br />

alguns membros de cada um dos diferentes grupos da população, mesmo<br />

que os melhores de certos grupos pareçam menos qualificados do<br />

que membros de outros grupos que não tiveram tal oportunidade. Por<br />

isto, não se deve impedir que as diferentes organizações locais, religiosas,<br />

profissionais ou étnicas auxiliem alguns de seus membros jovens,<br />

de forma que aqueles que recebem uma educação superior representem<br />

os diversos grupos, mais ou menos em proporção à importância que estes<br />

dão à educação.<br />

É, no mínimo, duvidoso que uma sociedade em que as oportunidades<br />

educacionais fossem universalmente outorgadas segundo a suposta<br />

capacidade se tornasse mais tolerável para as pessoas que fracassaram<br />

do que uma sociedade em que o acaso desempenhasse um papel importante<br />

em termos de nascimento. Na Grã-Bretanha, onde a reforma implantada<br />

no pós-guerra na área do ensino deu grandes passos no sentido<br />

de estabelecer um sistema baseado na suposta capacidade, as conseqüências<br />

já começam a preocupar. De acordo com um recente estudo<br />

monstra uma sede apaixonada de conhecimento, sem revelar talento especial nas matérias<br />

escolares básicas. Tal sede de conhecimento deveria também ser levada em conta, e a<br />

oportunidade de trabalhar para custear os estudos numa universidade não resolve verdadeiramente<br />

o problema deste jovem no nível superior. Sempre me pareceu que se justificaria<br />

plenamente a existência de instituições que preencham as funções dos mosteiros do<br />

passado, onde as pessoas interessadas podiam dedicar todo o seu período de formação<br />

aos estudos, sob a condição de renunciar a muitos confortos e prazeres da vida.<br />

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